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CIDADES MORTAS DE UM PAÍS ZUMBI

Monteiro Lobato se mostrou inovador, pois não concordava com a imposição das regras.
Ironia pressupõe inteligência, logo, ser irônico no Brasil sempre foi e é coisa muito perigosa.
Ironia pressupõe inteligência, logo, ser irônico no Brasil sempre foi e é coisa muito perigosa.
Por Walter Navarro*
O comportamento vexatório, penoso, desagradável, ridículo, histérico e desesperado dos deputados, senadores petistas e aliados deste III Reich genérico e tupiniquim que o PT tentou ser; lembra uma anedota do meu pai advogado. Advogados criminalistas são engraçados com suas histórias e folclore. Valha-me São José Maria Alkimim.
Quando eu e meus irmãos insistíamos num assunto já descartado e encerrado, meu pai contava o "causo" do vagabundo que é preso e tenta se explicar ao delegado, com fraudulenta ladainha. Como um José Eduardo “Rolando Lero” Cardozo. O delegado ouvia tudo pacientemente, aquiescendo, para no final decretar: "O senhor tá certo, mas vai preso assim mesmo...". Hoje, o doutor delegado ainda poderia ser mais irônico e completar: "Ôoooo soldado Bolsonaro, leva o rapaz aí pra conhecer a sala de massagens...".
O presidente da Comissão de Impeachment, senador Raimundo Lira, poderia usar a mesma estratégia, cada vez que um senador tentasse defender os malabarismos fiscais de Dona Dilma: "O senhor tá certo, mas vai ter impeachment assim mesmo... Ôooooo relator Anastasia, leva o rapaz de volta à Escolinha do Professor Maluf...".
Em clima e tempo de morte do PT,  renovo o prazer de reler "Cidades Mortas" (1919), livro ímpar do grande Monteiro Lobato que os felizes e verdes anos de minha infância não trazem mais. Não trazem nem mesmo censurado pelo PT, séculos depois da morte de Lobato e das publicações de sua obra eterna e "imexível".
São contos, "estórias" deliciosamente tristes e tropicais. "Estórias" sim. Viva a desobediência civil contra a ditadura das imbecis reformas ortográficas, incluindo aí meus queridos hífens e tremas de saudosas memórias.
Eu não sabia que o nome completo de meu ídolo é José Renato Monteiro Lobato (Taubaté, 1882). Muito menos sabia que o segundo nome, Renato, foi substituído por Bento.
"Cidades Mortas" não retrata apenas a decadência do Vale do Paraíba - por isso é triste - com a queda do ciclo do café.
A infanta defunta, no caso, é Itaoca, uma cidadezinha qualquer do interior paulista, repleta de casas de tapera, ruas mal iluminadas, políticos corruptos, patriotas, ignorância, miséria.
Cidadezinha de um país onde "cem fazendeiros em cinco minutos pipocam seus machados nas perobas, mas não são capazes de se deter meia hora sobre um papel”. Lobato era muito gentil. Os fazendeiros no Brasil, hoje e sempre, têm infinitos colegas e asseclas em todas as profissões e ocupações, principalmente na política.
As personagens dos contos são típicos brasileiros e as “estórias” e situações são hilárias, absurdas. Em um século, o Brasil mudou nada. Quer dizer, mudou sim, mas pra muito pior.  
Por falar em idiotas reformas ortográficas, Monteiro Lobato “se mostrou inovador, pois não concordava com a imposição das regras, já que acreditava que a língua não poderia ser dirigida por uma regra, pois possuía uma evolução natural. O tom é jocoso e pitoresco, fazendo uso da ironia”. E é aí que morava e ainda mora o perigo. Ironia pressupõe inteligência, logo, ser irônico no Brasil sempre foi e é coisa muito perigosa.
"Quanto à temática, os contos falam sobre a decadência econômica, a queda da produção Cafeeira, o cotidiano das cidades. Ataca a realidade política, econômica e literária daquele tempo. Fala de uma forma crítica sobre assuntos recorrentes, sobre o nacionalismo exagerado, dentre outras realidades das quais fala com sagacidade e sutileza".
Entre os contos, meu favorito é “O Espião Alemão” provando que o Brasil até hoje fala um ininteligível alemão turíngio da baixa germanidade valona da Silesia hanoveriana. Em compensação o povo também não entende o alemão gramatical da alta germanidade dos Goethes, dos Lessings, dos Bergsons, dos Schneider-Canets.
Mas tem uma coisa mais triste que a decadência, é a decadência que acontece justamente antes da ascensão, do auge, do apogeu. Anestesia sem cirurgia. A Cidade Morta de Itaoca é terrível microcosmo do Brasil, nosso grande e bobo país - viva Eduardo Almeida Reis, meu "personal" Lobato.
Um país sempre na vanguarda do atraso e cronicamente inviável.
Desde priscas eras, desde minha mais tenra infância, escuto sobre o Brasil país do futuro que nunca alcançou. Um país nada sério, para o bom e o péssimo. Um país que não deu, nada dá certo, nem pode dar. Onde nada funciona. Medíocre, ingrato e desonesto. Complicado, onde tudo é difícil e de quinta categoria. Uma churrascaria! Um bananal, um bananeiro, uma República de Bananas.
Um país de tolos e néscios. De bobos. Um país da delicadeza perdida. Um país que respeita nada; sem vergonha na cara, lenço e documento. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Um desperdício quadrúpede e ambulante.
Um país natimorto. Um país filho de Suzane von Richthofen.
ps: Eis aí o último baile da pedalada fiscal. Apaga a luz, cubra tudo com uma lona e vamos todos embora pro Curdistão.
*Walter Navarro é jornalista, cronista e artista plástico.

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