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ÉS TU AQUELE QUE DEVERIA DE VIR, OU ESPERAREMOS OUTRO?

Infelizmente, e não dificilmente, a dúvida é vista como falta de fé.

Infelizmente, e não dificilmente, a dúvida é vista como falta de fé.
Por Fabrício Veliq*
E João, chamando dois dos seus discípulos, enviou-os a Jesus, dizendo: És tu aquele que havia de vir, ou esperamos outro? (Lc 7:19)

Não seria estranho se nós, hoje, recriminássemos a João Batista por sua pergunta, uma vez que reflete sua dúvida em relação a pessoa de Cristo.

Lembremos que esse João Batista foi o mesmo que, no início do ministério Jesus, viu uma pomba descer sobre a cabeça de Jesus e ouviu uma voz do céu que dizia: "Esse é meu filho amado, em quem me comprazo." É também aquele que, pouco tempo depois, falou aos seus discípulos ao ver Jesus se aproximando: "Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo." (Jo 1:29). Depois de todas essas experiências marcantes, passados menos de 3 anos que todas essas coisas aconteceram, e ao saber o que Jesus fazia, manda que discípulos perguntem a Jesus se ele era mesmo o que deveria vir ou se deveria esperar outro. Não seria condenável essa postura diante de tamanhas experiências?
O que, afinal, mudou? João não havia presenciado tudo aquilo, dado testemunho a respeito de Jesus, e até incentivado que seus discípulos o seguissem? Agora, simplesmente, surge essa dúvida a respeito do ministério de Jesus?
Na verdade, nada mudou. João não perdeu sua esperança de que Jesus era aquele que deveria vir ao mundo, antes, teve um momento de dúvida. Se olharmos com atenção, perceberemos que o texto nos mostra que a dúvida é permitida ao tratar-se de Jesus e seu reino.
Em dias atuais, muitos buscam o evangelho das certezas. Certezas de que serão salvos, certezas de que estão com a pessoa certa, certezas de que estão no caminho certo, de que estão fazendo as coisas certas e por aí se seguem várias outras buscas de certezas. 
Infelizmente, e não dificilmente, a dúvida é vista como falta de fé ou como algo que não se deve ter quando falamos a respeito do evangelho e da vontade divina. Sempre precisamos estar convictos, sempre ter certezas absolutas e isso, ao invés de trazer liberdade, gera escravidão. 
Constantemente, esquecemos da história dos heróis da fé. Se olharmos com atenção suas histórias, perceberemos que muitos tiveram dúvidas na caminhada. Podemos citar Jó e suas angustiantes questões ao longo de todo um livro, Gideão e seu “teste” com Deus para saber se era realmente Ele que o falava para liderar o povo à guerra, João Batista nesse texto que lemos mais acima e vários outros mostram a ausência de convicções por parte daqueles que foram chamados. Em todos esses casos, e aqui acredito que vemos uma característica do amor de Deus, aqueles e aquelas que tiveram dúvidas nunca foram mal vistos por desenvolverem suas dúvidas e se questionarem a respeito daquilo que entendiam ser o chamado de Deus para suas vidas. Muito pelo contrário, em todas essas histórias, vemos um Deus que recolhe e aceita o questionamento.
No caso de João não foi diferente. Tanto que Jesus, após a pergunta dos discípulos, no mesmo texto, começa a enaltecer a pessoa de João. Além disso, a resposta de Jesus vai na contramão do que, comumente, se espera de uma resposta divina, isto é, uma resposta taxativa e que coloca ponto final em todas as questões. Logo após a pergunta, "na mesma hora, curou muitos de enfermidades, e males, e espíritos maus, e deu vista a muitos cegos" e mandou dizer a João: "Ide, e anunciai a João o que tendes visto e ouvido: que os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres anuncia-se o evangelho.  E bem-aventurado é aquele que em mim se não escandalizar" (Lc 7:21-22).
Pelo relato lucano percebemos que Jesus não dá nenhuma certeza direta a João com uma simples resposta do tipo: "Sim, sou eu aquele que haveria de vir", antes, dá a João as informações necessárias para que ele as interprete e conclua que ele era realmente o que haveria de vir.
Penso que, muitas vezes, as respostas de Deus para nós passam por esse prisma. Elas não vêm em forma de um “sim” ou “não” explícitos. Várias vezes, Deus fala conosco algo do tipo: "olha a situação à sua volta e perceba minha resposta nas entrelinhas dessa situação". Como sempre, ao se tratarem de respostas divinas, estamos atrás de respostas prontas, explícitas e taxativas e, como nem sempre as percebemos nas entrelinhas, passamos a acreditar que não houve resposta nenhuma para nós.
Tendo a pensar que as respostas taxativas e explícitas por parte de Deus são mais raras do que aquelas nas quais, para as obter, precisamos estar atentos à sua voz e a seus feitos. Gosto de pensar que o intuito de Deus é que o conheçamos de tal forma, que saibamos interpretar seus atos e concluir suas respostas para nossas perguntas.
Se assim o for, é por meio de olhares atentos e voltados às ações de Deus que encontraremos respostas para nossos questionamentos. Com isso, porém, não falo que teremos uma certeza absoluta, mas que, através de um ato de fé e fazendo a comparação com os desejos conhecidos do Pai, aumentaremos a esperança de que estamos no caminho certo, que estamos com a pessoa certa, que fazemos a coisa certa, que temos uma salvação de um mundo mal e por aí vai.
Com isso em mente, a cada dia me convenço mais de que o reino de Deus não é um reino de certezas antes de inúmeros saltos no escuro. E por não ser de certezas, causa temor a muitos que embarcam nele. 
Mas, mesmo assim, o convite ao Reino está aberto a todos: saltemos!
*Fabrício Veliq é teólogo, formado em matemática pela UFMG, graduando em filosofia pela UFMG, mestre em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE) e doutorando em teologia na mesma faculdade. Atualmente ministra cursos de teologia no curso de Teologia para Leigos do Colégio Santo Antônio, ligado à ordem Franciscana. É protestante e ama falar sobre teologia em suas diversas conversas por aí.

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