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LEIGOS E LEIGAS: QUE LUGAR OCUPAM NA IGREJA?

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A dignidade do leigo é compreendida como nascida pelo dom batismal.
Voltar às fontes do cristianismo é compreender a Igreja como Povo de Deus.
Voltar às fontes do cristianismo é compreender a Igreja como Povo de Deus.
Por Felipe Magalhães Francisco*

A língua é viva, está sempre em construção. Nesse processo, às palavras são acrescidos novos significados e, por isso, novas experiências para nos dizer e para dizer o mundo. Em relação a algumas palavras, no entanto, a transformação linguística altera o significado dessas palavras, enchendo-as de poeira. Manoel de Barros poemou sobre isso, no seu texto Escovar palavras. O eu-lírico, uma criança, admira-se com o trabalho de dois arqueólogos e decide escovar palavras, a fim de descobrir os significados profundos que carregam, os ecos antigos que a fizeram emergir nesse complexo universo da comunicação. Tal como o menino, tido como louco pelo objetivo da empreitada, queremos, hoje, também nós, escovar a palavra. A nossa escolhida é a palavra “leigo”.

Todos nós, sem exceção, ouso dizer, já ouvimos a referência ao não saber de alguém, ao fato dessa pessoa ser leiga no assunto. Afirmar que sou leigo em física quântica é, nesse caso, afirmar que não entendo nada do referido assunto. O leigo é visto como aquele que desconhece. O processo de empoeiramento da palavra surge a partir de uma visão de Igreja, da qual os membros legítimos são o clero. As igrejas-edifícios antigas manifestam isso: o presbitério, que porta o altar, é separado da nave, que acolhe os leigos, por uma cerca. Ao presbitério tinha acesso apenas aqueles que conheciam a respeito do sagrado, os clérigos. O povo não conhecia nada do Mistério que se revelava na celebração, o povo era leigo.

Apenas com o Concílio Vaticano II, em que há uma recuperação do sentido do que é a Igreja, com base nas fontes do cristianismo, é que desponta a possibilidade de a poeira da palavra ser assoprada – quem, senão o Espírito Santo, sopraria essa poeira? –. Voltar às fontes do cristianismo é compreender a Igreja como Povo de Deus, tal como o Concílio Vaticano II propõe. Na perspectiva da Igreja, a partir da bíblica imagem do Povo de Deus, abre-se a possibilidade de se compreender, verdadeiramente, o significado do laicato: são os batizados. A origem da palavra “leigo” está no grego laós, que significa povo santo de Deus. O leigo é, portanto, o membro desse povo santo. A dignidade do leigo é compreendida como nascida pelo dom batismal, de se configurar à pessoa de Jesus, o Cristo. Santo Agostinho, no século IV, a este respeito disse: “Onde me aterra o que sou para vós, consola-me o que sou convosco. Pois para vós sou bispo, convosco cristão. Aquele é nome de ofício, este, de graça; aquele, de perigo, este, de salvação”.

O primeiro passo dado pelo derradeiro Concílio, na direção de retomada da fé em sua fonte, foi a reforma realizada na liturgia. Com a Constituição Sacrosanctum Concilium, o Concílio sinaliza uma nova (mas, virtuosamente, tão antiga!) maneira de compreender a Igreja, a partir do Mistério Pascal de Jesus Cristo como fonte de salvação, que nos toma a todos. Não é de espantar, nesse sentido, a insistência que o documento faz no verbo “participar”, por parte de todos os batizados. Para nos ajudar a refletir sobre isso, apresentamos o artigo Felizes os que ousam participar!, de Rodrigo Ladeira, mestre em teologia litúrgica.

Meio século depois do findar do Concílio, ainda caminhamos a passos lentos, rumo à concretização pastoral da eclesiologia que marca a Igreja como Povo de Deus. Sem uma conversão pastoral, que abandone velhas estruturas de organização da fé, não alcançaremos uma realidade eclesial na qual haja real protagonismo dos leigos. Para tirar, definitivamente, a poeira, não só da palavra, mas da própria compreensão intrínseca do que seja o laicato, é preciso melhorar a formação do clero, para que assuma o específico do seu ministério, e que se invista na catequese, como verdadeira educação da e para a fé, além de se proporcionar autêntica formação teológica para os fiéis. Aprofundando essa questão, tão importante para que a Igreja se mantenha viva, propomos uma entrevista, feita com Dom João Justino de Medeiros Silva, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte.

Privilegiamos, até aqui, o discurso em linguagem masculina: leigos, batizados... Tal privilégio foi proposital: ele serve de denúncia, para revelar que, se os leigos encontraram (e encontram) dificuldades em se tornarem autênticos protagonistas na vida da Igreja, o lugar das mulheres, leigas, batizadas, continua sendo não discutido de forma autêntica, mesmo depois do Concílio Vaticano II e das reflexões propostas pelo feminismo. Iniciativas muitas despontam em todos os lugares, mas ainda não foram assumidas, eficazmente, por parte da hierarquia da Igreja. As mulheres são maioria nas comunidades de fé, bem o sabemos, mas elas ainda não ocupam o lugar devido no seio dessas comunidades, com reconhecimento do seu papel e valorização de seu protagonismo pastoral, ainda que sejam as que tornam vivas essas comunidades. É preciso, com urgência evangélica, dar passos significativos de rompimento com essa realidade segregadora e patriarcal. Para pensar mais sobre isso, a Helia Carla de Paula Santos, mestra em teologia, propõe-nos o artigo O papel da mulher na Igreja: Esboço bíblico das figuras de Marta e Maria, em Lc 10,38-42. 

*Felipe Magalhães Francisco é mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Coordena, ainda, a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015).

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