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NINGUÉM TE MENOSPREZES POR SERES JOVEM

É preciso estar atento às juventudes, pelo que elas podem ensinar à cansada sociedade.
As juventudes sofrem o descaso, por parte daqueles que “sobreviveram”.
As juventudes sofrem o descaso, por parte daqueles que “sobreviveram”.
Por Felipe Magalhães Francisco*
O ímpeto juvenil é muito valorizado. Ao mesmo tempo, é bastante desprezado. Aí reside um paradoxo: os que da juventude há muito se afastaram, tornam-se saudosistas, ao pensá-la; ao mesmo tempo, esses mesmos saudosistas não aceitam o olhar dos jovens, pois o considera imaturo e despreparado – isso, claro, não é uma regra. O paradoxo tem, ainda, outras faces: as juventudes, por um lado, apegam-se a esse estágio, como se não fosse passar; por outro lado, ignoram a velocidade com que passa, protelando responsabilidades, vistas como próprias dos adultos. O desejo do Apóstolo Paulo, de que ninguém menosprezasse a Timóteo por sua juventude (cf. 1Tm 4,12), ecoa forte nesse contexto. Ainda que o período da juventude seja bem quisto, do ponto de vista dos sonhos, da energia e da vitalidade realizadora e transformadora, as juventudes sofrem o descaso, por parte daqueles que “sobreviveram” (adulteceram) a essa fase inconstante e “imatura”.
No âmbito eclesial isso se mostra evidente: a linguagem teologizada da fé já não alcança mais as juventudes, de maneira encantadora, que as engajem, com seus sonhos e vitalidade, na busca pela transformação do mundo e na busca pelo Reino. Os setores dessas juventudes que permanecem vinculados, ou cedem ao neotradicionalismo ou ao neopentecostalismo católicos, duas realidades religiosas que desvinculam as práticas devocionais da espiritualidade encarnada. É a crise da pós-modernidade que atinge esses setores das juventudes: em meio a um mundo fragmentado e solúvel, qualquer demonstração de segurança, ainda que ilusória, é garantia de um aparente sentido. Mas, tão logo as dúvidas surjam e a vida reclame um verdadeiro sentido, essa ilusória segurança se esfumaça. Essas juventudes carecem de cuidado, para que amadureçam na fé.
Igualmente carecedoras de cuidado são as outras juventudes: as distantes; as desiludidas; as desesperançadas; as já cansadas, antes mesmo de terem labutado a vida; e, certamente, as rejeitadas de muitas maneiras. Da mesma forma, as juventudes que estão na busca pela realização dos sonhos; as que se põem na busca por um lugar justo, que lhes tragam dignidade e vida; as que se empenham na transformação da sociedade, na igualdade de direitos e na inclusão dos que são excluídos. A essas todas, o Evangelho precisa alcançar, incluindo as que estão no seio da Igreja, mas desligadas, em seus lugares estranhos à fé comprometida. A grande parte dessas juventudes está distante da comunidade de fé, por motivos muitos, que reclamam da Igreja uma autocrítica e uma conversão pastoral.
No âmbito social, o quadro não é diferente: a maioria esmagadora das juventudes não foi educada para a cidadania e para a responsabilidade da construção de uma sociedade justa e igualitária. Como resultado, resta a indiferença, nascida da desilusão, de uma parte; e o conservadorismo, como falsa promessa de bem-estar, ordem e normalidade, de outra. Entende-se, diante de tudo isso, o espanto quando as muitas juventudes foram às ruas, em junho de 2013, mostrando seus muitos rostos e suas muitas reinvindicações. Foi um fenômeno nacional inesperado e inaudito. Ninguém as ouviu: foram desprezadas, tanto porque não as entenderam, quanto porque não davam crédito a elas. Como fruto desse ligeiro despertar, não veio a organização social, para proporcionar participação consciente e ativa, na construção social, mas o amargor da apropriação indevida da força “política”, por parte das frentes mais retrógradas, mostrando ao país mais do mesmo de sempre.
No entanto, em meio ao que parece um deserto, ressequido e incultivável, eis que surge uma flor, que anuncia que não devemos desprezar essas juventudes. Um novo tempo é possível, de negação dos desmandos de um poder descuidado e injusto: algumas vozes das juventudes, agora se fazem ouvir, diante de duas graves realidades que, infelizmente, encontram complacência em uma sociedade mesquinha e indiferente. Primeiro, a negação do direito à educação, encoberto por um falso argumento de reorganização escolar, que só traria mais prejuízo à formação humana de nossas juventudes. Depois, a descoberta de que quem deveria cuidar, em primeiro lugar, dos investimentos na educação, roubava aquilo que era um direito legítimo das crianças e das juventudes. As ocupações escolares e da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo são sinais desse despertar. Ironia ou não, tais movimentos surgem no estado que tem por padroeiro o Apóstolo que valoriza a juventude de Timóteo. Menosprezar esse florescer, apoiando-se em um discurso desprezível, é ser conivente com a perpetuação da injustiça e da desigualdade.
A nós, que nos movemos pela fé em Jesus Cristo, esses sinais de nosso tempo não podem passar sem nos afectar. Como discípulos e discípulas, os que se inspiram em Jesus precisam acolher o desejo do Apóstolo, que é verdadeira exortação. É preciso estar atento às juventudes, pelo que elas podem ensinar à cansada sociedade, bem como pelo que elas podem aprender com o caminho já trilhado. A tentação de um discurso recriminatório e desalentador não pode, em hipótese alguma, vencer a lucidez dos que se engajam no anúncio do Reino de Deus. O convite, no entanto, está aberto aos homens e mulheres todos, seguidores ou não do Cristo: essa é uma interpelação humana, que precisa encontrar lugar na vida e no coração das pessoas. Enquanto os que ocupam o poder, respondem às juventudes com violência e repressão, a palavra do Mestre da Galileia deve ecoar em nós: Entre vocês não seja assim! (cf. Mc 10,43).
*Felipe Magalhães Francisco é mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Coordena, ainda, a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras.

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