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O OUTONO DO PATRIARCA

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Aos 75 anos, Bob Dylan continua na estrada com incomparável vitalidade artística.
Dylan acumulou reconhecimento suficiente para se dar ao luxo de ir receber prêmios... ou não.
 Dylan acumulou reconhecimento suficiente para se dar ao luxo de ir receber prêmios... ou não.'

Por Marco Lacerda*

"A passagem do tempo te faz maior. A paixão é uma coisa dos jovens, os jovens podem ser apaixonados. Os mais velhos têm que ser mais sábios. Quero dizer, você está por aqui um tempo, deixa certas coisas para os jovens. Não tente agir como se fosse jovem, tenha o tempo como companheiro”, disse há pouco tempo o autor de algumas das canções pelas quais o século 20 será lembrado: Blowin in The Wind, Forever Young, A Hard Rain's A-Gonna Fall e Like a Rolling Stone que, em 1969, batizou aquela que viria a ser uma das mais importantes revista de música do mundo.

Com 37 álbuns no currículo, Bob Dylan, que acaba de completar 75 anos, recebeu dez prêmios Grammy, um Oscar, o prêmio Príncipe de Astúrias das Artes em 2007 e foi candidato ao Nobel de Literatura em várias ocasiões, a última em 2014.

A música popular nunca mais terá uma figura tão rica, controversa, incoerente, fascinante e errática como Robert Allen Zimmerman. Quando nasceu, em 1941, os EUA ainda não tinham sido humilhados em Pearl Harbor e ainda alimentavam dúvidas em entrar na II Guerra Mundial. Quando lançou o seu primeiro disco, o ocupante da Casa Branca chamava-se John Fitzgerald Kennedy e estava perto de ser assassinado em Dallas. Estas datas marcaram profundamente a vida de Bob Dylan, por muitos considerado o mais criativo de todos os autores da música popular desde a segunda metade do século 20.

Esquivo diante do seu próprio mito e imerso em seu modo de vida totalmente pessoal de entrega à música e à estrada, Bob Dylan chega aos 75 anos mais ativo do que nunca, embora sua obra não reverbere na consciência coletiva contemporânea com tanto fervor como em outros tempos. Com a mesma expressão que o acompanha desde os primeiros anos, como quem está dois passos à frente ou pelo menos se sabe dono de seus passos e no seu ritmo, Dylan teve faro artístico e uma sensibilidade extraordinária para incorporar o envelhecimento à sua música, criando obras incríveis desde que, em 1997, por ocasião do lançamento de Time Out of Mind, muita gente achava que o cantor e compositor mais genial do século XX, então com 56 anos, estava acabado, sem inspiração e condenado ao ocaso. Mas, de lá para cá, Dylan demonstrou não apenas uma inacreditável devoção à música –para não dizer quase doentia–, como também compôs algumas de suas melhores canções.

Desde o festejado Time Out of Mind até o recente Fallen Angels, lançado na semana passada, o artista criou todo um mundo repleto de símbolos do passado e evocações nostálgicas. Dessa maneira, como que filtrados através de um filme em Super 8, os lugares de sua infância e da história norte-americana aparecem povoados de personagens anônimos que lidam com promessas descumpridas, amores partidos e destinos cruéis.

Com uma habilidade semelhante à do jovem prodigioso dos anos sessenta, ele toma emprestados trechos de seus bluesmen prediletos, cruzando-os com homenagens de seus heróis caídos do folk, o country e standards de jazz. Referências literárias de poetas e romancistas combinam-se, também, com citações da Bíblia. Pode-se afirmar, no entanto, que há uma constante nessa fase idosa: a sensação de solidão. É como se Dylan falasse não só de um passado, mas também de um presente que se esvai.
 ‘Melancholy Mood’, Bob Dylan. Ouça:
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do DomTotal.

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