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RADIOHEAD VAI DO BLUES AO PSICODÉLICO COM O DIGNO 'A MOON SHAPED POOL'

Primeiro disco do grupo inglês desde 2011 tem belos arranjos; G1 ouviu.
Thom Yorke larga obsessão por eletrônica em álbum com 5 canções 'velhas'.

Cauê MuraroDo G1, em São Paulo
Capa do novo álbum do Radiohead, lançado neste domingo (8) na internet (Foto: Radiohead/ Divulgação)Capa do novo álbum do Radiohead, 'A moon shaped pool' (Foto: Radiohead/ Divulgação)
primeira música tem “cara de festival”. A segunda é “uma canção longa, tipo chata”. A oitava “lembra Kung Fu Panda”. A nona é uma “música legal”. A décima primeira “pode fazer as pessoas chorarem”. Avaliação final: nota 7.
Mas diz aí: o minicrítico tem razão? Apesar de rigoroso, ele tem, sim. O trabalho é OK. Bonito, belos momentos. Mas o Radiohead já foi melhor (no celebrado “OK Computer”, de 1997) e já chutou o balde na ousadia (no eletrônico “Kid A”, de 2000). Só que já foi pior (no dispensável “Amnesiac”, de 2000).Esta "crítica" do novo disco do Radiohead, "A moon shaped pool", foi escrita por um sucinto garotinho de oito anos. Divulgada pela mãe do menino (clique aqui), tem repercutido desde o lançamento do álbum, no domingo (8).
Em “A moon shaped pool”, a banda abandona a rebeldia sem causa e a obsessão pela eletrônica como – suspiro... – experimentação. O quinteto acredita em guitarra, violão, piano e percussão. E, sobretudo, nos arranjos e na pretensão do guitarrista Jonny Greenwood. Muito bem, Radiohead. Rola até (quase) bossa nova, folk, psicodelismo, blues (de leve). Eis o lado bom do grupo que carrega o status/clichê de “o Pink Floyd de sua geração”.
O lado ruim é que o Radiohead se ocupa mais da própria reputação – e do próprio mistério – que da própria música. “A moon shaped pool” é inédito naquelas. Das 11 músicas, cinco circulam em versões prévias. Caso de "True love waits", tocada em shows desde 1995.
“De onde menos se espera, é daí é que não sai nada mesmo”, diz a frase atribuída ao Barão de Itararé. Com o Radiohead é o contrário. Avaliar sem levar isso em conta é subestimar. Se “A moon shaped pool” – nono CD de estúdio e primeiro desde “The king of limbs” (2011) – for o último disco, então terá sido um testamento digno. Não o auge.
Veja, a seguir, o faixa a faixa de 'A moon shaped pool':
Clipe em stop-motion para a música 'Burn The Witch' é lançado pelo Radiohead nesta terça-feira (3) (Foto: Reprodução/YouTube)Clipe em stop-motion para a música 'Burn the witch', do Radiohead (Foto: Reprodução/YouTube)
1. ‘Burn the witch’
O primeiro single do disco tem “cara de Coldplay”. Tem arranjo de cordas orquestrado que quer ser grandioso e você imagina gente com coroa de flores, mãos e celulares para cima. E então a canção ameaça acontecer mas... Na hora H, fica pelo caminho e nada de refrão para cantar junto. O Radiohead evita soar como Coldplay para soar como Radiohead. Ufa.


2. ‘Daydreaming’
Excelente – mais como trilha sonora do que como canção. O clipe é dirigido pelo renomado (e metido a artístico) Paul Thomas Anderson. Ele mostra Thom Yorke sendo Thom Yorke: angustiado e perdido, depois perdido e angustiado. A faixa é lenta, com piano repetitivo. “Para além do ponto sem volta/ E é tarde demais/ O estrago já foi feito”, canta. No fim, um grunhido em reverse: “Efil ym fo flaH”, ou “Half of my life” (“metade da minha vida”). Possível ou provável referência ao divórcio do cantor. Em 2015, ele se separou após 23 anos.


Thom Yorke no clipe de 'Daydreaming' (Foto: Divulgação)
Thom Yorke no clipe de 'Daydreaming'
(Foto: Divulgação)
3. ‘Decks dark’
“Há uma nave espacial bloqueando o céu/ E não há onde se esconder/ Você corre de volta e tapa os ouvidos/ Mas este é o som mais alto que você já ouviu/ Mas era apenas uma risada, apenas uma mentira/ Apenas uma risada, apenas uma risada.” Metáfora óbvia em termos de Radiohead: falar de ET para falar de EX. O fundo musical é Radiohead clássico: piano constante bem marcado e ruídos eletrônicos eventuais. E coral. Funciona.

4. ‘Desert island disk’
Começa com o violão folk, e você espera qualquer um – até o Eddie Vedder, do Pearl Jam –, mas aí aparece o Thom Yorke e, já não era sem tempo, um punhado de ruídos digitais. Faixa perfeitinha, da voz agora muito contida aos versos: “Diferentes tipos de amor/ São possíveis/ São possíveis”.    

5. ‘Ful stop’
Parte do mérito do Radiohead torna coerente a seguinte sequência: uma música com cara de rodinha comandada por monitor de acampamento (“Desert island disk”) e depois um krautrock para a pista, dançante e cheio dos falsetes (“Ful stop”). Claro que foi de propósito: “Vamos provar que somos muito versáteis na transição do som do violão para o som da programação?”. Vamos. Era tocada nos shows em versão diferente.

6. ‘Glass eyes’
Qual a função desta balada no disco? Pois é... Nenhuma. Sorte que é a mais curta, nem 3 minutos. Uma lamentosa combinação de piano e cordas que parece trilha sonora de filme romântico fraco. Thom Yorke canta com melancolia afetada e sente “este amor esfriar”. O disco também. Próxima!

7. ‘Identikit’
Outra das antigas, que já aparece em show e em outra versão desde 2012. “Identikit” é daquelas que fazem propaganda do virtuosismo do Radiohead (virtuosismo estético, não técnico). Ritmo quebrado e aparições imprevisíveis, como o coro de gosto duvidoso e um solo de guitarra questionável. Mas tudo melhora com o tempo, conclusão que se aplica à voz do Thom Yorke. Belíssimo vocal que é melhor do que parece na primeira ouvida. “Corações partidos fazem chover”, diz o verso. Parece ironia.   

Thom Yorke durante o festival de Glastonbury (Foto: Joel Ryan/AP)
Thom Yorke durante o festival de Glastonbury
(Foto: Joel Ryan/AP)
8. ‘The numbers’
“The numbers” é Radiohead acertando no blues. Está certo quem achar parecido ainda com Neil Young ou Patti Smith. E está certo quem apenas colocá-la entre as favoritas de “A moon shaped pool”. É blues com psicodelismo e com cordas, piano inteligente e tal. A música foi apresentada por Thom Yorke, em dezembro de 2015. Chamava “Silent spring”.

9. ‘Present tense’
Legal o Radiohead sendo bossa nova, sendo latino e, mesmo assim, não sendo ridículo. É o oposto: tem jeito de virar momento obrigatório em shows – até porque é executada ao vivo desde 2009 e sempre agradou. A letra simples não chega a igualar “Chega de saudade”, de Vinicius de Moraes, mas ao menos evita citações “peixinhos a nadar no mar”. Canta, Thom Yorke: “Distância/ É como uma arma/ Como uma arma/ De autodefesa/ Contra o presente/ Contra o presente/ Contra o tempo presente”.

10. ‘Tinker tailor soldier sailor rich man poor man beggar man thief’
São cinco demorados minutos de Radiohead tentando ser sombrio com violinos mas acabando somente cansativo. Dispensável.

11. ‘True love waits’
De todas as músicas de “A moon shaped pool”, esta era a mais esperada. Frequentando shows havia mais de duas décadas, “True love waits” chega em releitura definitiva com piano e fecha bem o disco. Yorke canta bem versos acima da média de incompreensão (para os padrões Radiohead). “Apenas não vá embora/ Não vá”, diz a letra, cheia de significado e (agora) de contexto. “E o amor verdadeiro espera/ Em sótãos mal-assombrados”. “Pode fazer as pessoas chorarem”, sentenciou o garotinho que abre este texto. Pode mesmo.

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