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DE VOLTA AO PASSADO


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Britânicos entregam aos velhos o sonho dos jovens
Os jovens apostaram no futuro da União Europeia, mas perderam para os velhos.
Os jovens apostaram no futuro da União Europeia, mas perderam para os velhos.
Por Marco Lacerda*

A Europa despertou no fim de semana com um terremoto político de muitos pontos na escala Richter. A decisão dos britânicos, em referendo, de abandonar a UE (Brexit) é o golpe mais duro no projeto de integração europeia em seus 60 anos de história. E já se sabe: suas consequências vão além do tremor causado nos mercados financeiros mundiais e da crise institucional aberta no Reino Unido.

O sonho europeu transformou-se em pesadelo. Sua segunda economia – um sócio-chave do ponto de vista da política exterior e da defesa – sucumbiu à tentação de uma saída nacionalista depois de uma campanha suja e xenófoba. Inevitável associar o que acontece na Europa à campanha presidencial do candidato republicano Donald Trump à presidência dos EUA, o sinal mais evidente da xenofobia que contamina o chamado mundo civilizado.

Seguindo a lição, o Reino Unido enveredou por um caminho de incógnitas colossais em busca de um novo lugar no mundo. A decisão histórica tomada pelos britânicos nas urnas sacudiu a Europa inteira e dará alento aos movimentos que desafiam a política tradicional no ocidente. A sucessão de acontecimentos desatados nas horas seguintes, depois da apertada vitória do Brexit, dá ideia da magnitude das consequências que se avizinham.

A primeira incógnita, a principal, foi eliminada com a comunicação do resultado oficial à primeira hora da manhã. Os britânicos, por 51,9% contra e 48,1% dos votos a favor, tinham decidido abandonar a União Europeia. A segunda não demorou nem duas horas para ser resolvida. Diante do número 10 de Downing Street, em Londres, que tem sido sua residência nos últimos seis anos, David Cameron anunciou que deixará o cargo em outubro, depositando uma bomba na economia mundial.

O mais surpreendente é que o voto a favor de permanecer na União Europeia não veio apenas da Escócia, Irlanda do Norte e Londres. Veio também dos jovens: era majoritário entre os com menos de 50 anos, especialmente entre os que não fizeram ainda 25 anos. A maioria dos mais velhos apostou por deixar o bloco europeu.

Os mais jovens são os que mais tempo terão que viver com uma decisão com a qual não estão de acordo. Segundo pesquisa da agência inglesa YouGov, 64% dos britânicos entre 18 e 24 anos prefeririam ficar na UE. Tendo em vista a expectativa de vida e que este processo não parece ser facilmente reversível, esses cidadãos passarão o resto da vida, quase 70 anos, fora dela.

“Os que venceram o Brexit não tem um projeto alternativo. Os jovens apostaram num futuro para a União Europeia e perderam para os velhos. Grande paradoxo interno: o futuro é decidido pelos que já não o tem”, diz Felipe González, ex-presidente do governo da Espanha.

Se existem ganhadores claros nesse Brexit são os partidos da extrema direita europeia. A eclosão do ceticismo europeu britânico ocorre em um momento de profundo desencanto e renovados sentimentos nacionalistas no Velho Continente que as forças xenófobas souberam explorar com eficiência.

O júbilo dos radicais se traduz em exigências concretas. “A Liberdade venceu”, publicou no twitter Marine Le Pen, presidente da Frente Nacional francesa. “Como peço há anos, agora é preciso convocar um plebiscito na França e nos outros países da UE”. O holandês Geert Wilders pediu a mesma coisa, o político de cabeleira oxigenada que lidera as pesquisas em seu país com um projeto político abertamente anti-imigração.

“Queremos ser donos do nosso próprio país, do nosso dinheiro, nossas fronteiras e nossa política imigratória”, disse em um comunicado. “Nós, holandeses, precisamos ter a oportunidade de expressar nossa opinião sobre nossa permanência na UE o quanto antes”, acrescentou agitando o fantasma do chamado Nexit, uma hipotética saída da Holanda do bloco comunitário que hoje se mostra mais possível do que nunca. Os dois países são membros fundadores da União.

Gert Wilders é, junto com Le Pen, a grande referência dos partidos xenófobos bem-sucedidos da Europa continental que mostram uma crescente coordenação e assertividade, conscientes de que o vento sopra a seu favor.

“No final das contas trata-se de escolher entre uma visão de nosso país definida pelo espírito mesquinho, ignorante, retrógrado, xenófobo e tribal encarnado por Nigel Farage, o líder do partido direitista UKIP (UK Independence Party), ou a generosidade, o bom senso e a solidariedade com um projeto que desde sua fundação contribuiu enormemente para que gozássemos na Europa de uma época dourada de paz e prosperidade sem precedentes”, diz o escritor inglês John Carlin.

Resta saber como reagirão, de fato, os súditos desse Reino Desunido, transformados ao longo dos anos na maior potência do mundo, hoje comandada por Barack Obama, um líder ultra-mega moderno que caminha na contramão dos anseios de um Velho Mundo cada vez mais arcaico e superado. Sem falar de um certo Francisco, alma gêmea de Obama, representante neste mundo de um Reino atemporal e anfitrião de uma grande festa para a qual todos são convidados com a condição de que se dispam e deixem na porta qualquer forma de preconceito.

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