O primeiro beijo

Michelly Barros Andrade Sousa*

Os melhores anos de minha vida ainda estão por vir, dizem que a vida começa aos quarenta, sinto que muita coisa boa ainda vai acontecer, mas como esquecer o primeiro amor, a primeira vez que meu coração pulsou mais forte, quando comecei a desejar intensamente a ficar perto de alguém, quando inventava desculpas bobas para ficar um pouco mais perto de quem conseguia me fazer ao mesmo tempo tanto bem e tanto mal? 

Tem coisas que nunca vou esquecer e nem entender. Quando percebi já te amava, loucamente, sem escrúpulos, mas enquanto eu aos treze anos já era uma mulher você era apenas um menino de doze anos, um menino lindo que eu tanto desejava, mas que não estava preparado para receber um amor tão quente e verdadeiro como o meu.

Estudamos juntos por três anos e durante esse tempo vivi os mais intensos momentos de minha vida. A escola era nosso ponto de encontro onde nos transformamos em homem e mulher e eu sempre esperando por alguma decisão sua. 

Sempre esquecíamos livros para que pudéssemos fazer as tarefas juntos, um ao lado do outro, os professores sabiam o motivo de tanto esquecimento, e fazíamos isso só para tocarmos de leve nossas peles quando nossas mãos se encontravam ao folhearmos as páginas do livro.

 Você sempre soube que eu te amava, e muitas vezes se aproveitou do meu amor me fazendo ciúmes, me fazendo sofrer, e eu sem poder resistir sempre sucumbia aos seus caprichos, calada, tentando ao máximo não expressar o que eu sentia.

O menino mais bonito da escola, o mais interessante, a boca mais gostosa, as pernas mais provocantes, o corpo mais excitante, pele morena queimada pelo sol, a voz mais quente... E eu tinha que amar logo você que dizia para minhas amigas que gostava muito de mim e que tinha medo de ficar comigo para não perder minha amizade... Eu nunca quis ser tua amiga, eu queria ser tua, e nada mais. Ah! Você nem pode imaginar o que perdeu meu amor!

Nunca segui padrões de beleza, mas tenho consciência de que não era feia e por tanto te amar deixei várias oportunidades de ficar com outros garotos da escola, porque te respeitava, eu te queria, e eu esperava algum dia te ter só para mim. Dois dos teus amigos gostavam de mim, tenho certeza disso, e você também sabia. 

Um deles era sempre gentil, tentando me agradar, enquanto que o outro era agressivo, com certeza tinha raiva por me amar sem ser correspondido, e eu sabia bem o que ele sofria, mas infelizmente eu só tinha olhos para você. Lembra quando você me disse na arquibancada, com o semblante fechado, preocupado na frente dos dois:

- O M... gosta de ti, viu?

- Como é que você sabe?

- Todo mundo sabe. Pega o caderno dele que tu vai ver teu nome escrito milhares de vezes em todas as folhas. Não é não, C...?

- É... – O primeiro disse meio zangado e então o M... ameaçou:

- Não se mete não, viu A...? – E saiu de perto de nós.

Não me interessava que outros gostassem de mim, eu só queria você, mas eu precisava te esquecer por isso comecei a dizer que já não gostava de você e se aproveitando disso você me perguntou:

- Já que você não gosta mais de mim posso perguntar: O que foi que você viu em mim? – Eu te olhei com aquele olhar que só quem deseja alguma coisa com todo ardor pode olhar e respondi que não sabia o motivo, mas eu sei que você não acreditou na minha falta de amor.

O momento decisivo se aproximava, teríamos uma chance para ficarmos juntos em uma festa da escola. Sonhei tanto com esse momento, me arrumei, coloquei minha melhor roupa, meu batom vermelho e me perfumei de desejo. Você naturalmente estava lindo como sempre, mas notei um homem bonito perto de você e soube que era teu primo que havia te levado de carro. E para me fazer ciúmes, para me fazer sofrer, você fez o quê? Puxou pela mão uma das minhas “amigas” e levou-a para um lugar reservado aos casais de namorados.

Fiquei arrasada, mas não disse nada. E então aconteceu, você tomou uma dose grande do seu próprio veneno. Com tantas garotas para escolher naquela festa aquele homem bonito, cheiroso, de veias grossas pulsando debaixo daquela roupa cara, me puxou decididamente pela mão e eu fui com ele. Não tive receios, pois o medo nos impede de sermos de felizes, de vivermos plenamente.

Passamos em frente a você e a “minha amiga” que estavam encostados em uma parede e me controlei para não rir diante da tua cara de raiva quando teu primo te cumprimentou e pelo menos naquele momento não pensei mais em você. Nos afastamos para um lugar mais reservado e teu primo me perguntou:

- Você gosta muito dele, né?

- Gosto demais, mas ele não gosta de mim...

- O pior é que ele também gosta de você, sempre fala de ti, mas não tem coragem de se declarar, é uma criança, é doido. – Ele riu e pediu que eu me virasse mais para a esquerda, eu perguntei por que e ele sussurrou no meu ouvido com aquela voz de macho que sabe o que quer:

- Eles estão sentados bem aí atrás de ti, vieram atrás de nós, e ele não para de te olhar, mas agora é tarde... – Sem perder tempo beijou minha orelha, meu pescoço e de leve minha boca, e então percebeu que aquela era minha primeira vez. Com carinho, com excitação, com desejo, me ensinou a beijar de verdade, no começo bem devagar, bem gostoso, me envolvendo em seus braços fortes com muito prazer, me falando cada coisa que me deixaram tentada a fazer algo mais... E... Depois de uma noite bastante interessante nos despedimos e de cabeça baixa vi meu lindão esperando para falar comigo e perguntar com raiva:

- Se eu não tivesse ficado com aquela menina tu não teria ficado com meu primo, né? – A voz estava trêmula, parecia que tinha chorado.

- Você sabe que eu queria ter ficado com outra pessoa, você sempre soube. Tchau. – Fui para casa sem olhar para trás e você ainda teve que ir de carona com o teu primo, aquele homem que me deu meu primeiro beijo, aquele beijo que eu tinha guardado para você.

E foi assim, sem planejar fazer ciúmes a você que na frente do amor da minha vida dei meu primeiro beijo, só que em outra pessoa, porque às vezes a gente sonha um sonho bom com um menino que não se decide, então descobrimos que o que na realidade precisamos para realizarmos nossos sonhos é de um homem de verdade.

*Química, professora das redes estadual e municipal de Fortaleza e integra a Academia Metropolitana de Fortaleza ( AMLEF), cadeira número 15

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