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PARTICIPAÇÃO POPULAR PARA CRIAR ÁREAS PROTEGIDAS

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Dano ambiental pode ser evitado por meio da participação ativa da sociedade organizada.
Criação do Parque do Gandarela representa a consagração da vontade de entidades e moradores.
Criação do Parque do Gandarela representa a consagração da vontade de entidades e moradores.
Por Clarice Gomes Marotta*

A recente tragédia provocada pelo rompimento de uma barragem de rejeitos da Samarco em Mariana/ MG colocou em evidência a necessidade de se repensar a atividade minerária em nossas Minas Gerais. Não se discute a importância do minério de ferro, mas devemos nos questionar se a sua extração deve se dar em todo o Quadrilátero Ferrífero ou se haveria áreas, por seu relevante interesse ambiental, que deveriam ser resguardadas para as presentes e futuras gerações, conforme determina a Constituição Federal.

Para aprofundar um pouco mais a discussão, o próprio modelo de desenvolvimento trazido pelos empreendimentos minerários merece críticas, já que, apesar de aumentar a oferta de empregos, a circulação de recursos e a arrecadação de impostos, não pode ser considerado sustentável, por ser temporário. Uma vez que as atividades são encerradas, a comunidade se vê abandonada, sem alternativa de sustento e desprovida das belezas naturais que poderiam justificar a exploração do potencial turístico.

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Percebendo essa realidade, um conjunto de 26 entidades iniciou luta histórica de proteção ambiental, buscando evitar a implantação do Projeto Apolo, da empresa Vale, na região de Caeté. Ao perceber o perigo que a atividade representava à região, em outubro de 2009, o coletivo encabeçado pelo Projeto Manuelzão enviou ofício ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, solicitando a criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela.

O requerimento foi considerado pertinente e em 2010, o ICMBIO elaborou proposta de criação da unidade de conservação, reconhecendo a relevância da Serra da Gandarela, que integra a Reserva Mundial da Biosfera do Espinhaço (Unesco), forma corredor ecológico natural com as Serras do Caraça e da Piedade e detém relevante biodiversidade, assim como diversas cavernas e um sítio paleontológico.

 A comunidade se viu na posição de ter que escolher entre a água, essencial à sobrevivência, e a atividade de mineração, com suas promessas de desenvolvimento econômico.

 A área protegida, instituída em 2013 com a publicação de decreto federal, representa a consagração da vontade das instituições ambientalistas e dos moradores dos municípios envolvidos, portadores de rico patrimônio histórico e cultural, oriundos do ciclo do ouro. Como na vida real nem toda história termina com a felicidade eterna, inaugurou-se uma nova batalha, dessa vez para questionar a demarcação, que possibilita a instauração do Projeto Apolo.

 A nossa Carta Maior, chamada por muitos de “Constituição Verde”, impôs à coletividade, assim como ao Poder Público, o dever de preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. E não podemos esquecer que também é conhecida como “Constituição Cidadã”. Unindo os conceitos, é fácil depreender que os movimentos populares que lutam pela criação e preservação de espaços territoriais especialmente protegidos exercem importante papel de implementação da vontade do constituinte.

Temos uma democracia jovem, que vive momentos de intensa tribulação política e econômica. Em tais situações de crise, surgem oportunidades de crescimento, mas também ondas de retrocesso. Não é difícil identificar mudanças positivas na forma como as pessoas estão se envolvendo cada vez mais com a política, buscando informações e experimentando o poder popular por meio das manifestações públicas.

Mas nem só de flores é feita a realidade. A Proposta de Emenda à Constituição nº 65, de 2012, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, objetiva acrescer um parágrafo ao art. 225 da CF, estabelecendo que a simples apresentação de estudo prévio de impacto ambiental autorize a operação de obras, sem possibilidade de suspensão ou cancelamento posterior, salvo por fatos supervenientes.

Em poucas linhas, pode-se dizer que o projeto retira do licenciamento o seu caráter trifásico, fazendo com que o procedimento ganhe agilidade, em detrimento de eficácia protetiva. Trata-se de golpe mortal na cultura de participação popular em assuntos ambientais, ainda em fase de consolidação na sociedade brasileira. É durante o licenciamento que as comunidades têm condições de se informar acerca do empreendimento potencialmente poluidor, de entender os riscos envolvidos, de se mobilizar e de manifestar a sua discordância, em etapa anterior à efetiva entrada em operação da atividade.

O meio ambiente degradado dificilmente volta ao estado anterior. Para entender a profundidade dessa afirmação, voltemos os nossos olhares ao Rio Doce. Mas o dano pode ser evitado, por meio da participação ativa da sociedade, no espaço democrático propiciado pelo licenciamento ambiental.

Como pode o artista viver sem o palco?

Sugestão de pauta

A Super Manchete de Meio Ambiente é uma publicação semanal do portal DomTotal, em parceria com a Escola Superior Dom Helder Câmara, com a colaboração de profissionais e especialistas nos temas abordados. Envie-nos sugestões de assuntos que você gostaria de ver nesta editoria, pelo e-mail noticia@domtotal.com, escrevendo 'Manchete de Meio Ambiente no título da mensagem. Participe!

*Clarice Gomes Marotta é analista em Direito do Ministério Público de Minas Gerais. Mestranda em Direito Ambiental pela ESDHC - Escola Superior Dom Helder Câmara e integrante, nesta instituição de ensino, do Grupo de Pesquisa sobre direito dos animais, economia, cultura, sustentabilidade e desafios da proteção internacional. É especialista em Direito Público pelo IEC – Instituto de Educação Continuada; e em Direito, impacto e recuperação ambiental, pela Fundação Gorceix e FEMPMG - Fundação Escola do Ministério Público de Minas Gerais.

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