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PEC 65 É RETROCESSO NA PROTEÇÃO AMBIENTAL NO PAÍS

Obras públicas poderão ser aprovadas sem avaliação dos impactos no meio ambiente.
PEC prevê que estudo de impacto ambiental seja realizado pelo próprio requerente.
PEC prevê que estudo de impacto ambiental seja realizado pelo próprio requerente.

Por Thiago Ventura
Portal DomTotal

Uma proposta de emenda à Constituição (PEC) em tramitação no Congresso Nacional que altera as regras do licenciamento ambiental é alvo de intensa crítica de entidades e especialistas no Direito Ambiental. A PEC 65/2012, de autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), flexibiliza o processo, com objetivo de dar mais celeridade às obras públicas. No entanto, a pressão popular começa a surtir efeito.

O texto original acrescenta um parágrafo no artigo 225 da Constituição Federal em que a apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA), realizado pelo próprio requerente, bastaria para que obras de infraestrutura não pudessem ser canceladas, o que descarta a exigência do licenciamento ambiental para sua realização. A PEC  tramita em regime especial e não necessita de sanção presidencial. Basta ser aprovada na Câmara o no Senado em dois turnos, com três quintos dos votos em cada uma das casas.

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“A apresentação e a aprovação do estudo prévio de impacto ambiental importam autorização para a execução da obra, que não poderá ser administrativamente suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face do não atendimento de outros quesitos legais ou de fato superveniente”, defendeu senador Acir Gurgacz durante discurso no plenário do Senado no começo de  junho. Segundo o parlamentar, questões ambientais “poderão” ser resolvidas depois, de forma administrativa.

A PEC foi apresentada em 2012 e distribuída à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em abril de 2016, bem no meio da crise política quando a Câmara autorizou o início do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff (PT), a comissão aprovou a proposta, que estava com a relatoria do senador Blairo Maggi (PR-MT).

No mês seguinte, o senador Ranfolfe Rodrigues (Rede-AP) conseguiu que fosse acatado um requerimento para tramitação em conjunta a PEC 153/2015, de autoria do senador Raimundo Lira (PMDB-PB), que altera o mesmo artigo da Constituição e inclui "entre as incumbências do poder público, a promoção de práticas e a adoção de critérios de sustentabilidade em seus planos, programas, projetos e processos de trabalho".

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Com isso, a matéria teve que voltar à CCJ. Como Blairo Maggi assumiu o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do governo Temer, a relatoria da PEC 65 e da 153 ficou com o senador Ranfolfe Rodrigues. Em 14 de junho, o Rodrigues apresentou parecer pela inconstitucionalidade da PEC 65.

“Se o Congresso Nacional não compreender essa limitação de vedação ao retrocesso ecológico voluntariamente, rejeitando as dezenas de projetos que hoje tramitam e que possam afetar negativamente o meio ambiente, certamente, em algum momento, será compelido a isso, forçosamente”, escreveu Ranfolfe  em seu relatório.

Ainda não há data  para a votação na CCJ. Na última semana, a comissão recebeu dezenas de ofícios de entidades públicas e do terceiro setor, contrárias ao projeto.

Na opinião do procurador Federal Marcelo Kokke, professor de Direito Constitucional na Escola Superior Dom Helder Câmara, a PEC 65 expõe uma visão do meio ambiente como mera fonte de recursos, numa forma de utilização voltada para o  esgotamento e exploração.

“Mas como se justificaria a apresentação de uma Proposta de Emenda com o teor em questão? Visualiza-se o atendimento das necessidades e conjunturas imediatas como justificativa para a exploração produtiva. O meio ambiente é concebido como um mero recurso a instrumentalizar níveis crescentes de produção para atendimento máximo a necessidades humanas estabelecidas sem justificação ética diante de carências materiais”, denuncia.

Segundo Larissa Pirchiner de Oliveira Vieira e Pedro Sergio Vieira Martins, advogados que atuam em movimentos sociais, a PEC 65 e outros projetos que tramitam nas esferas estaduais e federais representam um retrocesso na defesa do ambiente, em prol dos interesses de grupos de investimentos.

“O licenciamento ambiental tal como previsto na Constituição Federal e na legislação brasileira é alvo de ataques por parte de setores empresariais conservadores da sociedade. Sob o argumento de que o licenciamento ambiental é moroso e burocrático, os representantes de grandes empresas no Congresso e nas Assembleias Legislativas estaduais tentam modificar o atual modelo de licenciamento para grandes obras”, afirmam.

Advogada e mestranda em Direito Ambiental na Dom Helder, Lorena Machado Rogedo Bastianetto questiona a qualidade da representação política no Brasil, capaz de propor e talvez aprovar tal mudança na Constituição. Além disso, considera uma verdadeiro golpe na proteção jurídica a alteração formulada na PEC 65.

“Essa verificação leva-nos a um sobressalto que nos faz invocar os mais caros direitos e princípios constitucionais, mas, na verdade, não precisamos ir tão fundo. A rasa conferência da proposta em si e de seus motivos nos dá a certeza de que a mera iniciativa em legislar é nula. Resta saber qual sobressalto é maior: o da inconstitucionalidade ou o da qualidade do serviço público legislativo”, analisa.


Sugestão de pauta

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Redação DomTotal

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