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TEOLOGIAS LGBTIS

As teologias da libertação trouxeram para as discussões as vozes de muitos excluídos.
Trata-se, portanto, de uma teologia dialógica.
Trata-se, portanto, de uma teologia dialógica.
Por Tânia da Silva Mayer*
Na América Latina, desde os anos sessenta, percebeu-se a necessidade de se fazer teologia a partir da dinâmica da história da vida humana e enraizada na Palavra de Deus. Trata-se, portanto, de uma teologia dialógica que, servindo-se dos métodos de análise das ciências sociais, escuta os clamores de grupos oprimidos para melhor elaborar perguntas e possíveis soluções e respostas às questões propostas.
As assim chamadas “teologias da libertação” enraizaram-se, historicamente, como teologias latino-americanas, mas não somente. Constituíram-se como discursos da fé vivida em contextos de ditadura, opressão e violentas injustiças sociais. Os primeiros anos das teologias da libertação marcaram-se pela ênfase na libertação sócio-política-econômica, que propunham a libertação das estruturas históricas de opressão que furtam a dignidade da pessoa. Os pobres e os oprimidos ressoam gritos contra a violência, contra a fome, a miséria, a opressão; contra preconceitos raciais, a segregação racial e as exclusões por parte das questões de gênero. Nesse período, do final dos anos sessenta e início dos anos setenta, as teologias da libertação acolhem as vozes dos negros, dos indígenas, das mulheres. Essas vozes alcançam a teologia que se volta para a dramática da vida humana, numa opção preferencial pelos pobres.
O traço comum dessas teologias latino-americanas reside no fato de partirem do sofrimento e da opção preferencial pelos pobres numa relação com a historicidade da fé, que encontra na pessoa de Jesus Cristo a práxis libertadora que fundamenta e ilumina o fazer teológico e a prática pastoral de comunidades e grupos. É um jeito novo e original de se fazer teologia que, pouco a pouco, foi consolidando-se em nosso meio. E esse jeito novo deve-se em decorrência do lugar teológico de onde se discursa a fé. Esse lugar teológico, na teologia latino-americana é a vida concreta de todos os que sofrem.
As teologias da libertação trouxeram para o centro das discussões as vozes de muitos excluídos que foram silenciadas ao longo da história latino-americana. São as vozes dos negros, dos indígenas, das mulheres. Esta última trouxe para a mesa dos teólogos importantíssimas questões sobre as relações vividas pelas mulheres no conjunto das instituições humanas e, sobretudo, na Igreja. O movimento feminista e a teologia feminista, partindo da experiência de negação do feminino vivido ao longo da história, tornaram amplo o debate sobre as relações de gênero no interior de dioceses.
No entanto, nem todas as vozes excluídas foram ouvidas e entre elas estão as das minorias sexuais latino-americanas. Ivan Pérez Hernández[1] ressalta que o fato de as vozes das minorias sexuais não terem sido ouvidas, ainda no final dos anos setenta e oitenta, deveu-se ao fato de que a primeira geração dos teólogos da libertação foi composta de homens brancos formados dentro de uma concepção europeia e sexista, tornando-se, por isso, difícil romper com o sexismo. Para o autor, outro fator preponderante foi a epidemia da AIDS que disseminou o preconceito contra homossexuais, somado à ausência de grupos e movimentos de minorias sexuais organizados nas sociedades que experimentaram governos ditatoriais.
A época que seguirá o ano 89 (a queda do muro de Berlim) será vista como um período de transição das teologias da libertação. Uma série de acontecimentos históricos que revolucionaram os cenários sociais irá permitir que as discussões sobre a sexualidade e, desse modo, as questões relativas à homossexualidade, bissexualidade, transexualidade, aos poucos, sejam entendidas como vozes que necessitam ser escutadas. Isso se deveu, em muito, por causa dos movimentos feministas que trouxeram à tona aspectos violentos do modelo machista-patriarcal e, com ele, os aspectos do heterosexismo; os crescentes casos de homofobia, seguidos de assassinatos de homossexuais; os avanços na pesquisa bíblica e teológica foram importantíssimos para desconstruir preconceitos históricos.
No entanto, consideramos que a abertura para o diálogo sobre a diversidade sexual é só uma fenda na porta do armário da teologia. Ainda é muito pequeno o fazer teológico sobre as sexualidades que divergem da heterossexualidade. Os estudos no campo da ética sexual, ainda são pouco expressivos, mas têm enormes chances de despontarem. Contudo, não podemos deixar de perceber que as teologias LGBTIs têm ganhando cada vez mais legitimidade porque homens e mulheres buscam dar razões de uma fé que compreende a criação como uma pluralidade de existências queridas por Deus.
Hernández recorda-nos, ainda, que os movimentos de LGBTIs foram mais fecundos em sociedades desenvolvidas. Daí decorre o fato de que, desde a década de setenta, a América do Norte está fazendo uma “teologia da libertação gay”, amplamente influenciada pelos movimentos homossexuais e queer. A “teologia da libertação LGBTI”, produzida na e desde a América Latina e o Caribe, deverá partir da situação concreta das pessoas latino-americanas, situação que será bem diferente das realidades norte-americanas, isso do ponto de vista social, econômico, cultural, político e religioso.
O fazer teológico na e desde a América Latina deverá enfrentar e contrapor-se às muitas violências contra as pessoas LGBTIs, como, por exemplo, a homofobia. Algumas realidades dificultam o diálogo amplo e mais aprofundado a respeito da vida e das experiências das pessoas LGBTIs, inclusive quando esses estão inseridos em instituições religiosas. A ausência de linguagens que abranjam, sem falseamento, as experiências dessas pessoas, não só deslegitima a fundamentação de tais experiências, como promove a invisibilidade suprema dessas pessoas. Uma teologia LGBTI que se proponha ser um discurso da fé, a partir da diversidade sexual, não pode omitir-se no reconhecimento da existência dos sujeitos e das suas experiências e nem eximir-se do projeto do Reino que Jesus inaugurou e que propõem a plena dignidade de todxs.
[1] HERNÁNDEZ, Ivan Pérez. Teologías de la Liberación y Minorías Sexuales em América Latina y el Caribe. Consideraciones Preliminares. In: TRASFERETTI, José.Teologia e sexualidade. Um ensaio contra a exclusão moral. Campinas: Editora Átomo, 2004. p. 103-127.

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