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Cinema: The Big Bang Theory: lições de amizade

Como faremos para viver sem os adoráveis nerds de The Big Bang Theory?


The Big Bang Theory, guardadas as devidas proporções, é um sucesso.
The Big Bang Theory, guardadas as devidas proporções, é um sucesso.
Por Alexis Parrot*
Às vésperas da estreia da que pode vir a ser a última temporada de uma das séries mais bem sucedidas da década da TV norte americana, já nos perguntamos: como faremos para viver sem os adoráveis nerds de The Big Bang Theory?
Sheldon, Leonard, Raj e Howard, todos professores do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), todos doutores (com a exceção de Howard que tem apenas o mestrado, como Sheldon gosta de lembrá-lo sempre que surge a oportunidade) e todos desenvolvendo experiências de ponta em suas áreas de atuação em uma das instituições de pesquisa mais respeitadas no mundo inteiro. Se quisermos tecer um paralelo com a realidade brasileira, seria mais ou menos como soltar os trapalhões para dar aulas na Unicamp.
Inseparáveis e se provocando um ao outro o tempo todo, ao longo de nove anos vimos acompanhando a evolução na vida desses quatro amigos. Leonard e Howard se casaram, Raj conseguiu superar a timidez crônica que o fazia emudecer sempre que estivesse na presença de alguma mulher. Bernardete e Amy foram acopladas ao grupo e são para Penny o equivalente feminino da turma dos cientistas. A vida de todo mundo andou - para desespero de Sheldon. Para ele até sentar-se em outro lugar do sofá que não seja o seu habitual vira um cavalo de batalha.
Desde 2007 acostumamo-nos a rir da inépcia crônica do Doutor Sheldon Cooper em lidar com questões corriqueiras do dia a dia de qualquer adulto. O amor, o sexo, os relacionamentos - familiares, de amizade ou românticos - e até mesmo protocolos simples da vida como presentear alguém no natal ou como aceitar o fato de que uma série foi cancelada sem que houvesse um fecho na história (como foi com Os Alphas) fazem o brilhante físico perder o chão.
O namoro com Amy; incluídos aí beijos, demonstrações de afeto e até mesmo o coito (como ele se refere ao ato sexual); foi um dos grandes saltos para a vida adulta que Sheldon acabou empreendendo. Mas, ainda assim, a série acaba sendo mesmo uma grande celebração da amizade.
Os laços que unem Sheldon a Leonard, seu melhor amigo e roommate, são postos à prova diariamente (ou semanalmente, porque se trata de uma série) graças às idiossincrasias - para não dizer os transtornos comportamentais - do primeiro; somada a isso uma lista interminável de regras que normatizam o funcionamento do apartamento que dividem, e até a sua amizade. O documento que Sheldon obriga o amigo a assinar no momento em que decide partilhar o teto com ele é puro nonsense, digno dos melhores momentos do Monty Python.
Itens absolutamente "úteis" para a vida de qualquer pessoa que se disponha a dividir a casa com alguém são discriminados no documento que Sheldon volta e meia esfrega no nariz de Leonard. Como a regra que determina que o companheiro não pode, sob hipótese alguma, matá-lo se, porventura, ele vier a se tornar um zumbi. Ou se, no caso de, ao invés de um zumbi, Sheldon se tornar um robô, o amigo tem a obrigação de ajudá-lo na adaptação à nova vida. Ou ainda, se, por um acaso do destino, Leonard ganhar super poderes, ele forçosamente deverá nomear Sheldon como seu parceiro no combate ao crime. Há também uma regra criada com o intuito de fortalecer a amizade: uma vez por dia, Sheldon deverá perguntar para Leonard como ele está, muito embora - e isso fica claro no contrato - ele não dê a mínima importância para o fato do amigo estar bem ou mal.
E o longo documento não para por aí. Refletindo a aversão que Sheldon sente por mudanças de qualquer tipo, para trocar ou até mesmo experimentar um novo restaurante delivery, é necessária a convocação de uma audiência pública e um prazo de 60 dias para deliberações.
E alguns dos ídolos dos já não tão jovens nerds também marcam presença na lista de normas como nesse item: se um dos dois for convidado para ir nadar na casa de Bill Gates, ele deve levar o outro junto.
Ao preparar toda essa burocracia de hospício, o que Sheldon não contava encontrar era com uma amizade verdadeira. Como na vida, as grandes pessoas que surgem em nosso caminho, só vamos nos dar conta a posteriori, a partir da convivência e da presença dessas pessoas nas horas mais complicadas. Deixar de acompanhar a trajetória desses dois amigos é algo frustrante - porque, afinal, todos nós temos um Sheldon que faz parte de nossa história. The Big Bang Theory, guardadas as devidas proporções, é um sucesso porque acabamos por nos identificar com as relações de companheirismo e amizade que a série retrata.
Tematicamente, a lacuna geek que porventura será criada com o fim de TBBT já está ocupada pela interessante série Silicon Valley, da HBO. Primos de segundo grau dos nossos anti-heróis do MIT, os episódios acompanham os passos que podem levar uma startup de aplicativos a uma posição de sucesso. Aqui, os personagens seriam uma versão mais pé no chão de Sheldon, Leonard e companhia. Tenta-se tirar humor de situações mais realistas; poderia ser considerada uma versão cômica do que assistimos no filme A Rede Social - que conta a história (não autorizada pelo Zuckerberg) de como nasceu o Facebook.
Mas , se esta próxima for mesmo a última temporada de TBBT, só nos restará seguir o conselho que  o personagem vivido pelo ator Jason Segel recebe no filme Ressaca de Amor. Inconsolável pela perda da noiva, ele é confortado pelo amigo havaiano que diz, sabiamente: "É como quando acabou os Sopranos. A gente sofre, mas temos que aceitar e escolher uma nova série para seguir."
(THE BIG BANG THEORY - em reprise no Canal Warner em vários horários, enquanto não estreia a décima temporada)
A televisão brasileira assistida por...
Luciana Hidalgo, escritora
autora de: O Passeador; e Arthur Bispo do Rosário - O Senhor do Labirinto (Rocco)
O que vale a pena
Cheguei a ficar sem TV alguma durante um bom tempo e só via filmes que escolhia, tal era a minha decepção com a programação. Hoje tenho TV por assinatura e gosto mesmo é do Canal Arte 1. Esse canal era exatamente o que faltava na televisão brasileira. Deveria haver mais canais como este, aliás, seria fundamental tê-lo como canal aberto. Há nele ótimos programas sobre artes em geral, bons filmes, e nada tem o caráter "educativo". Aliás, bons programas sobre artes não precisam passar a ideia de "educativos".
O que faz falta
Acho uma pena que o nosso país ainda tenha uma programação tão centrada em telenovelas desinteressantes. É um gênero velho, ultrapassado, que "formou" gerações de telespectadores viciados em histórias corriqueiras no gênero folhetim. Tudo bem que as pessoas gostem de novela, claro, mas não precisava haver três, quatro novelas por dia, ocupando um horário nobre que poderia ser reservado a programas culturais muito mais interessantes, inteligentes e instigantes.
É uma pena que os donos de emissoras da TV aberta no Brasil vejam seus telespectadores como consumidores de gêneros fáceis, sem a menor preocupação em oferecer programas mais desafiadores. Nivelam por baixo, comose o povo não pudesse apreciar programas artísticos e culturais mais inteligentes. O povo pode e quer programas melhores.
Lembro-me do Projeto Aquarius, que levava música clássica a vários espaços públicos do Rio, sempre com uma multidão interessadíssima  nos concertos. Quando eu trabalhava como jornalista, entrevistei várias pessoas do povo sobre esse projeto, e todos diziam o quanto adoravam os concertos. Isso mostra que, se houver mais programas assim, fora das habituais novelas, certamente haverá interesse do público. E mais: ao longo dos anos, a TV estará formando um público mais culto, mais sensível às artes em geral.
*Alexis Parrot é diretor de TV e jornalista. Escreve às terças-feiras sobre televisão para o Dom Total.
Dom Total

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