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Falta de verbas prejudica tratamentos com medicina nuclear e Ipen pode parar

Flávia Villela - Repórter da Agência Brasil
O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) em São Paulo, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que produz 85% dos radiofármacos utilizados para exames e tratamentos com medicina nuclear, pode parar em agosto por falta de dinheiro. Radiofármacos são substâncias emissoras de radiação utilizadas na medicina para radioterapia e exames de diagnóstico por imagem.
O superintendente do Ipen, José Carlos Bressiani, informou que a situação é grave, pois os cortes do governo geraram perdas de mais de R$ 50 milhões ao orçamento do instituto, cujos gastos são de aproximadamente R$ 150 milhões anuais.
“Muito do material que fazemos depende de importação de matéria-prima e, sem complementação orçamentária, não temos como importar o material para fabricar o produto que vendemos. Precisamos da garantia da vinda de recursos até o meio de agosto para podermos encomendar o material e continuar fabricando”, explicou Bressiani. “O Brasil não é autossuficiente na produção de material radioativo, então ainda temos o problema da variação cambial”.
Milhares de pacientes em todo o país podem ser prejudicados, já que o instituto fabrica 38 produtos para a medicina nuclear, alguns fundamentais para diagnóstico de câncer e doenças do coração como o tecnécio-99, cuja matéria-prima é o molibdênio, e para tratamentos de doenças, como o iodo-131.
Alarmante
O presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear, Cláudio Tinoco Mesquita, disse que a situação do Ipen é alarmante. “Estamos falando de uma série de exames essenciais que dependem desses radiotraçadores que tem monopólio estatal e que ficam ameaçados”, declarou. “A doença cardiovascular, por exemplo, é a principal causa de morte no Brasil e 55% de todos os procedimentos de medicina nuclear feitos tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto na rede privada são de cintilografia de perfusão miocárdica, que é essencial para salvar vidas”, disse.
Cerca de 180 funcionários trabalham diretamente na produção dos fármacos do instituto, criado na década de 1960. O instituto vende os produtos para 430 clínicas e hospitais de medicina nuclear, sendo que o Sistema Único de Saúde responde pela compra de um terço do material.
A produção de radiofármacos também é feita em Belo Horizonte, no Rio e no Recife em unidades ligadas ao MCTIC. Mas o Ipen é o único que produz isótopos de meia-vida longa, ou seja, com mais de duas horas de vida útil. A Constituição determina que todos os produtos radioativos com vida ativa superior a duas horas são de responsabilidade exclusiva do Estado brasileiro.
“É um material de alta contaminação radioativa e não pode ficar na mão de qualquer um, pois pode gerar problemas graves de segurança,” disse Bressiani, que defende o monopólio da produção. “Tem funcionado bem há 50 anos e, como é o governo que compra a matéria-prima, então não paga imposto. Uma indústria privada terá de pagar imposto e encarece o medicamento para a sociedade”.
Já Mesquita defende a quebra do monopólio. “Esse monopólio não existe na maioria dos países. Sou a favor da quebra do monopólio no Brasil, mas sem deixar de investir no aperfeiçoamento da medicina brasileira que tem funcionado de modo exemplar. O problema é que sempre que há uma crise financeira no país, falta de orçamento, isso tem imenso impacto na população. Além disso, como é o governo que tem que trazer os novos radiofármacos para o país, muitos serviços acabam defasados. O paciente que tem dinheiro vai para o Uruguai, para o Chile, Estados Unidos fazer exame”.
O problema da diminuição no repasse de recursos é agravado pelo déficit de revisão dos valores praticados na tabela do SUS para procedimentos da medicina nuclear, ressaltou o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear. “Com o aumento do dólar, o preço dos radiofármacos aumentou muito, mas, ao mesmo tempo, o governo não reajusta o valor do reembolso dos exames da tabela do SUS desde 2009.

E a maior parte da população depende do SUS e, como nas áreas mais remotas do país há o custo alto do frete, algumas clínicas nesses locais estão deixando de fazer certos exames, porque já não compensa financeiramente. E alguns exames mais complexos estão cada vez mais difíceis de serem realizados pela população mais pobre”, disse.

O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações não se manifestou até a publicação do texto.

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