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Emmy: televisão e tradição

Veremos uma cerimônia longa e monótona, como toda cerimônia de entrega de prêmios.


É uma grande contradição a premiação dos profissionais da TV insistir em um formato ultrapassado.
É uma grande contradição a premiação dos profissionais da TV insistir em um formato ultrapassado.
Por Alexis Parrot*
No dia 18 de agosto assistiremos pela 68ª vez a cerimônia de entrega dos prêmios Emmy, concedidos anualmente pela norte americana Academia de Televisão, Artes e Ciência.
É uma mania dos Estados Unidos, esse negócio de Academia, que acabou ecoando mundo afora - da mesma forma como é também uma obsessão para eles a distribuição anual de prêmios. Não poderia ser diferente, uma vez que o país foi construído sobre os pilares da competição e da livre concorrência (mas nem tão livre assim - como nos querem fazer acreditar que seja).
Mais uma vez, nos estatelaremos diante da televisão para torcer por nossos programas e atores e atrizes favoritos, assistindo uma cerimônia longa e monótona, como toda cerimônia de entrega de prêmios; incluído aí o Oscar, o Grammy, o MTV Awards, o Globo de Ouro... Mas é pior em se tratando do Emmy: um formato de programa de TV ultrapassado produzido e transmitido anualmente para celebrar a excelência dos profissionais da própria TV! Uma contradição digna do nosso governo interino (alçado ao poder por uma crise de corrupção no país, porém, conduzido por vários corruptos e corruptores de carteirinha).
Concorrem programas que foram ao ar entre setembro do ano anterior e maio do ano corrente. Como assim? Por que não simplificar e fazer como no Oscar? (Para ser passível de premiação na competição da indústria do cinema norte americano, um filme deve ter sido exibido nos Estados Unidos por uma semana - pelo menos - durante o ano anterior.) Para que esse período obrigatório de elegibilidade faça algum sentido, é necessário que se entenda a lógica de programação dos conteúdos na televisão norte americana.
Lá, as grades são divididas em duas etapas; a principal, no segundo semestre, com as grandes apostas das emissoras, começa por volta de setembro e a secundária, no primeiro semestre, em janeiro. São chamadas em inglês de seasons (como as estações climáticas do ano), o que nos habituamos a traduzir livremente aqui no Brasil por "temporadas".
Entre maio e agosto, vão ao ar series com um menor número de episódios e orçamentos mais modestos - para ocupar a lacuna deixada pelo intervalo entre uma e outra temporada dos programas principais. São, geralmente, um teste para ver se vingam e passam a incorporar a programação no ano seguinte. Tanto os programas que estreiam em janeiro, quanto estes "tapa-buracos" são chamados de series de mid season.
A grande maioria desses programas não chega a vingar - porque são feitos para isso mesmo - mas às vezes, justamente essa despretensão, os transforma em grandes sucessos. O Homem de Seis Milhões de Dólares e a Mulher Biônica original começaram assim, como muitas outras series que se tornaram favoritas do público no mundo todo: Buffy, a Caça-vampiros, Grey's Anatomy, Dawson's Creek, Um Amor de Família, Batman, A gata e o Rato, Dallas, Primo Cruzado, The Office e até mesmo Os Simpsons - que completa em 2016 seu 28º ano no ar (um recorde, em se tratando de séries de dramaturgia).
A TV a cabo funciona de maneira diferente, com temporadas que não são temporadas, com um menor número de episódios por ano - assim como a TV brasileira. É uma deturpação do sentido original de "season", porém, a nomenclatura já se tornou corrente e até mesmo as series dos serviços por streaming (como Netflix e Amazon que estream suas séries em pacotes completos) já a incorporaram.
Votam no Emmy mais de 22 mil membros da Academia, divididos em 29 classes, de acordo com as suas atividades profissionais. Cada membro vota somente na categoria a que pertence: apenas diretores votam em diretores; atores em atores; figurinistas em figurinistas; e assim por diante. A votação acontece em dois turnos - primeiro para que se estabeleçam os indicados e depois para definir o melhor dos seis mais votados. A única exceção é para as categorias de melhor programa, em vários grupos de formato; aí todo mundo vota.
Este ano os programas com maior número de indicações são Game of Thrones, com 23, e a segunda temporada de Fargo, com 18. É de Game of Thrones também o recorde de mais prêmios conquistados por um programa no mesmo ano: foram 12, em 2015.
Algumas apostas
Melhor ator de filme para TV ou mini-serie
A parada deve ficar entre Cuba Gooding Jr. e Bryan Cranston. Enquanto Gooding Jr. concorre pelo seu retrato de O.J. Simpson na primeira temporada de American Crime Story, o eterno Mr. White de Breaking Bad corre atrás de sua sétima estatueta pela impressionante encarnação que faz do presidente norte americano Lyndon Johnson no telefilme All the Way. Cranston está se tornando o novo Paul Muni da indústria audiovisual norte americana, especializado em se transformar em figuras reais, um ator de caracterização. Como Muni - que estrelou biopics de Zolà, Pasteur e Capone - o ator nos brindou recentemente com sua interpretação do roteirista perseguido pelo macartismo Dalton Trumbo (indicada ao Oscar esse ano). O telefilme acompanha os percalços de LBJ ao assumir a presidência logo após o assassinato de Keneddy e, habilmente, manipular e negociar com o Congresso e ativistas negros a aprovação da lei de direitos civis de 64 - um tema caro aos norte americanos.
Entre um LBJ cuspido e escarrado como o original e um O.J. Simpson que se parece mais com Cuba Gooding Jr. do que com O. J. Simpson, Bryan Cranston deve levar essa de goleada. E, mais que isso: em ano eleitoral nos Estados Unidos, os temas políticos estão na crista da onda.
Melhor serie de drama
Ou Game of Thrones vence pela segunda vez consecutiva (merecidamente, diga-se de passagem - as duas últimas temporadas da serie da HBO foram as melhores já produzidas até agora) ou vence Downton Abbey pela sua temporada final (mais um prêmio pelo conjunto da obra do que pelos méritos em si dessa sexta temporada). A serie já ganhou um Emmy, em 2011, porém na categoria mini-serie; era sua primeira temporada e àquela altura, não se sabia ainda se haveria outras. Para nossa sorte, houve.
O voto pela diversidade
Em contraponto à polêmica do Oscar desse ano - acusado de ignorar artistas negros - podemos esperar uma quantidade substancial de prêmios para artistas ou programas cujo tema reflitam a diversidade étnica nos Estados Unidos.
A série Black-ish torna-se um forte concorrente a melhor serie de comédia, assim como Luther (interpretado pelo formidável Idris Elba) e Confirmation (a história da acusação de assédio sexual sofrida por Clarence Brown - o que quase lhe custou a indicação para a Suprema Corte) para melhor telefilme. Na categoria Mini-serie, o Emmy deve ir facilmente para O povo contra O.J. Simpson: American Crime Story - tanto pela discussão sobre o racismo quanto pelas qualidades do programa.
Viola Davis pode repetir a premiação do ano passado de melhor atriz de série de drama, por How to Get Away with Murder - assustadoramente, na primeira vez em 68 anos que uma mulher negra ganha esse prêmio. Para alcançar a estatueta, porém, a concorrência é ferrenha, porque disputa, cabeça a cabeça, com Taraji P. Henson, a matriarca impulsiva de Empire (que abocanhou o Globo de Ouro esse ano pelo papel).
Contra as duas, provavelmente, apenas Sarah Paulson luta em igualdade pelo Emmy (pelo retrato pungente que fez da promotora pública que acusou O.J. Simpson no julgamento de assassinato em American Crime Story).
Melhor apresentador de talk show
Ecoando o prêmio de melhor ator de série de comédia recebido no ano passado por Jeffrey Tambor - por sua sensível interpretação de uma mulher transexual em Transparent - o Emmy de apresentador desse ano pode ir (e provavelmente vai) para Ru Paul.
Seu reallity Ru Paul's drag race, na oitava temporada, já se tornou antológico e nada mais justo do que celebrar seu talento e reconhecer a importância do programa na batalha contra a homofobia e a transfobia. Até então, o programa só havia recebido uma indicação pelo figurino.
Melhor ator coadjuvante de serie de drama
Uma das categorias com mais pesos pesados: o Mike, de Better Call Saul; Tyrion, de Game of Thrones; o chefe de gabinete Doug, de House of Cards; John Voight, de Ray Donovan... Mas minha aposta é que Kit Harrignton deve levar essa de barbada. Nada na TV mundial esse ano teve tanto impacto como a morte e ressurreição de Jon Snow em Game of Trhones.
Previsão para 2017
Quem quer apostar comigo que no ano que vem Stranges Things vai concorrer a uma tonelada de Emmys?
68ª CERIMÔNIA DE PREMIAÇÃO DO EMMY - Canal Warner, 18 de setembro, 20:30H
*Alexis Parrot é diretor de TV e jornalista. Escreve às terças-feiras sobre televisão para o DOM TOTAL.

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