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O QUINZE

Grecianny Carvalho Cordeiro*

Li O Quinze, o romance de estreia de Rachel de Queiroz, na adolescência.
            
Na época, tudo parecia muito confuso, muito trágico, muito descolorido para uma alma adolescente tão cheia de cores dos mais diversos matizes. Ademais, não me sentia capaz de compreender aquela realidade sertaneja retratada com tamanha riqueza de detalhes, pois os olhos de garota nascida e criada na capital, não eram capazes de enxergar a magnitude daquela obra literária tão badalada e aclamada.
            
Naquela época, ler um clássico da literatura brasileira, da lavra de uma escritora lendária como Rachel de Queiroz, parecia suficiente.
            
Hoje, relendo o livro O Quinze com os olhos maduros, com a experiência de anos vividos no interior do Ceará, me deparei com um livro lindo e extraordinário. Foi como se o paraíso tivesse descortinado diante de mim. A metáfora pode ser exagerada, mas reflete o sentimento que a invoca.
            
O relato vívido das agruras do sertão e do sertanejo na seca mais cruel que o Nordeste enfrentou. A história de Conceição e de Mãe Inácia. A professora solteira e sensível que passava as férias com a avó em Quixadá; o vaqueiro Vicente, que não desiste de cuidar do gado que amofina a cada dia, a alimentar uma discreta paixão pela prima. E porque não dizer, o sofrimento de Chico Bento e sua família, que resolvem fugir da seca e rumam à cidade grande, na esperança de poderem levar uma vida menos miserável.
            
O mais maravilhoso é poder compreender o talento de uma escritora nata que, aos quinze anos, conseguiu captar e traduzir com perfeição a vida de um povo sofrido, num linguajar mesclado entre o rebuscado e o coloquial, registrando a vida sertaneja com encantadora riqueza de detalhes.

Ler e se deleitar com frases metafóricas intensas e profundas, arrancando sorrisos devido à admiração por estar diante de uma verdadeira obra de arte.
            
“Chegou a desolação da primeira fome. Vinha seca e trágica, surgindo no fundo sujo dos sacos vazios, na descarada nudez das latas raspadas”, descreve quando falta comida a Chico Bento. E quando morre seu filho, ao ingerir uma planta venenosa: “ E a criança, com o cirro mais forte e mais rouco, ia-se acabando devagar, com a dureza e o tinido dum balão que vai espocar porque encheu demais”.
            
“Dia a dia, com forças que iam minguando, a miséria escalava mais a cara sórdida, e mais fortemente os feria com a sua garra desapiedada”.

Rachel de Queiroz é um ícone da literatura. O Quinze é sua expressão máxima.

*Promotora de Justiça

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