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Sokurov medita sobre a relação entre arte e poder

Francofonia: o louvre sob ocupação', é um filme de aspirações épicas.


“Francofonia: O Louvre Sob Ocupação”, a nova obra do russo Aleksandr Sokurov.
Francofonia: O Louvre Sob Ocupação”, a nova obra do russo Aleksandr Sokurov.
Por Alysson Oliveira
“Francofonia: O Louvre Sob Ocupação”, a nova obra do russo Aleksandr Sokurov, desafia classificações e sinopses. É um documentário, mas também existem encenações e ficções em seus quase 90 minutos, além de poesia e ensaio.
É um filme de aspirações épicas que transita entre assuntos grandiosos – Arte, Poder, Política, Humanidade (todos com a primeira letra em maiúsculo para exaltar sua grandeza) – mas que reverbera de forma intimista. E é, enfim, um longa que busca e questiona a intersecção de todos esses assuntos – tudo isso na embalagem mais bonita possível.
Pode haver até uma tentação de chamar “Francofonia” de “Arca Francesa”, se buscarmos aqui a mesma coisa que o diretor fez pelo (e no) museu russo Hermitage, de São Petersburgo, em seu “Arca Russa” (2002). Mas os dois filmes diferem mais na forma do que em qualquer outro elemento. É como se o anterior, em seu plano-sequência de 99 minutos, fosse uma obra modernista estraçalhando com a linguagem, e o novo, uma obra pós-moderna em seu esmaecimento da história e sua fragmentação. São duas obras diferentes, mas com o mesmo denominador: a arte enquanto percepção da política.
O começo da narrativa de “Francofonia” está na virada do século XIX para o XX, quando o filme abre com duas fotos de escritores, uma de Liev Tolstoi já idoso encarando a câmera, e outra do jovem Anton Tchekhov. Logo depois, o próprio diretor aparece em cena, conversando, via Skype, com um certo capitão Dirk, numa embarcação que carrega todo o acervo de um museu – seja lá qual for. Museus, parece dizer o filme, são barcos carregando toda a história de um povo (ou até da humanidade). E o mais preocupante: são frágeis, sujeitos a tempestades e maremotos.
O que segue, então, são fragmentos que desafiam o tempo e o espaço, juntando figuras improváveis, como Marianne (Johanna Korthals Altes), o símbolo personificado da República Francesa, e Napoleão (Vincent Nemeth) – e mais do que isso, eles se sentam diante da Mona Lisa, num Louvre completamente vazio. Mas a parte central, e mais importante no longa, é sobre os anos de 1940, na Paris invadida por nazistas.
Dois personagens dominam esta parte. Um é o conde Franz Wolff-Metternich (Benjamin Utzerath), que foi nomeado por Hitler como codiretor do Louvre. Ele trabalhou com o diretor do museu Jacques Jaujard (Louis-Do De Lencquesaing) para preservar as obras de arte. O alemão era profundo conhecedor de arte francesa, o que possibilitou um trabalho em conjunto da dupla e a proteção do acervo do museu (parte foi escondida em castelos), que ficou aberto durante a ocupação.
Combinando, entre outras coisas, um tom ensaístico com drama de guerra, no qual muito se resolve entre cafés e cigarros, Sokurov questiona não apenas as funções da arte, mas também sua capacidade de concentrar em si a história da humanidade.
Visitando o acervo do museu francês desde o Renascimento, o diretor mostra que a produção e preservação artística são feitas de escolhas que estão intimamente ligadas ao poder – nem que seja numa chave negativa, em outras palavras, na contestação do status quo. E assim o que se torna canônico – o que vai parar nos corredores, salas e paredes de uma grande instituição como o Louvre – é o resultado de disputas sobre o comando da narrativa da História.

Reuters

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