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Ado Jorio, o cientista brasileiro que figura entre os mais influentes do mundo

Pesquisador do departamento de física da UFMG, Ado Jorio está entre os quatro brasileiros na lista da agência Thomson Reuters com as mentes científicas de maior influência mundial

o Jorio do pesquisador. O último, sem acento, facilita as citações em trabalhos ao redor do mundo. O que ocorreu pelo menos 214 vezes nos últimos sete anos, segundo a lista The World’s Most Influential Scientific Minds 2015 (Mentes Científicas Mais Influentes do Mundo 2015, em tradução livre), divulgada pela Thomson Reuters. O levantamento contém 3,1 mil pesquisadores.
A vinculação principal é com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mas, o conhecimento e a linha de pesquisa seguida principalmente a partir do doutorado em Física evolui graças à cooperação com cientistas de outros estados e países. Assim, iniciou a carreira ao estudar propriedades ópticas de nanomateriais e ao focar na da espectroscopia Raman. Em outras palavras, busca o aperfeiçoamento da técnica que usa a luz para investigar a matéria.
A atuação, que se estende à engenharia biomédica e à instrumentação da espectroscopia, colocou Ado Jorio entre os quatro únicos brasileiros a integrar a lista mundial com os pesquisadores mais citados em trabalhos científicos. Sem rankings, a publicação compila numericamente as mentes que têm maior impacto em suas áreas de pesquisa, ditando também as tendências futuras na ciência.

Em participação da primeira conferência sobre a espectroscopia Raman em Fortaleza, em agosto deste ano, Ado conversou sobre os desafios da pesquisa no Brasil e os passos necessários para quem deseja uma carreira acadêmica de sucesso.

O POVO – O senhor já havia pensava em ser pesquisador desde que precisou escolher uma profissão ou curso a ingressar? Ou a carreira acadêmica aconteceu naturalmente?

ADO JORIO - Aconteceu de forma até tortuosa, vamos dizer assim. Essa fase em que a gente tem 17 anos de idade pra escolher a profissão, acho que é muito difícil saber realmente o que é uma vida profissional numa certa área. Então, a gente tem algumas aptidões relacionadas ao colégio. Eu gostava de Física, gostava de Matemática... Por isso fui fazer Engenharia Elétrica no vestibular. Cursei Engenharia Elétrica até o sexto período e, no sétimo período eu pedi reopção pra Física. Quando comecei a fazer Iniciação Científica, na universidade, meu interesse principal na época era música. Comecei a estudar acústica na Física. Então, foi totalmente tortuoso: entrei pra Engenharia, gostava de música, fui estudar música e a música me levou para a Física (risos).
 
OP - Saindo da escola, as pessoas tendem a escolher um curso de acordo com os conhecimentos específicos exigidos. No seu caso, ciências exatas. E o senhor tinha afinidade com a Física. Pensou nela como possibilidade antes ou voltar a ela foi total surpresa?
JORIO - Não, na verdade, quando eu estava para escolher, estava fazendo aqueles testes vocacionais e aquilo tudo, conversava com pessoas mais velhas e tal. E meu ponto sempre era esse: gosto muito de Física. E o aconselhamento que eu tinha das pessoas mais velhas era: se você gosta de Física, faça Engenharia. Então foi muito por essa questão. Acho que, nesse ponto, fui mal aconselhado. 

OP - Por questão mercadológica?
JORIO - Acho que por questão mercadológica, por questão de status social, né? De certa forma, no Brasil e no mundo, a Engenharia, a Medicina, o Direito... São profissões onde tudo é ligado à questão mercadológica e do conhecimento das pessoas sobre elas. A ciência no Brasil está mudando cada vez mais, mas não era muito respeitada.
 
OP - Que conselho o senhor daria a quem está no começo da produção científica, para que o pesquisador possa ter êxito e produção intelectual reconhecida?
JORIO - Se você fala na construção da carreira, há dois momentos. O primeiro é aquele em que a pessoa ainda não se transformou em cientista. Ainda é estudante, ou de graduação ou de pós-graduação, no mestrado, no doutorado. Aí a principal dica é a pessoa ser muito estudiosa. Tentar aprender o máximo de coisas variadas e ter formação sólida. É nesse momento da formação em que você vai realmente solidificar o alicerce do seu desenvolvimento. O que aprender aí será força como cientista no futuro. Se você trouxer dificuldades ou limitações, claro que a pessoa sobrevive com isso. Mas, se você tem muitas delas, vai carregar isso pro resto da sua vida na sua carreira científica. Então, no começo é estudar muito, ter muito interesse de conhecer de forma ampla o seu meio de atuação. Porque quem sabe tudo de nada não se torna cientista, se torna outra coisa. Depois disso, quando entra na carreira científica de fato, que é quando você vira pesquisador, num pós-doutorado ou como professor mais jovem, existe uma lista de coisas com que você tem de se preocupar. Uma delas é buscar ter estudantes para trabalhar com você, porque é isso que forma o seu grupo de pesquisa. É você buscar desde o começo financiamento para sua pesquisa, olhar todos os editais de agências de fomento e buscar alavancar recursos. Participação em conferências internacionais é extremamente importante. A ciência é uma espécie de debate. Para você ser considerado um cientista que tem voz, tem de participar de debates. Tem demonstrar o que produz e estar ali para aprender o que está acontecendo.

OP - Qual a importância de parar um pouco e ver o que o outro está pesquisando, em conferências científicas internacionais, para ver o que tem se investigado ao redor do mundo? 
JORIO - Isso é uma coisa fabulosa da ciência. É uma comunidade aberta, internacionalizada. E o seu interesse, o seu fundamento é totalmente científico, na evolução da ciência. Não tem questões políticas. Na verdade, quando se organiza uma conferência como essa, você até tenta ter uma boa representatividade geográfica, de gênero. Mas, fora isso, o embasamento é científico. As pessoas querem desenvolver a ciência. Para isso, você tem de compartilhar com todo mundo o que está trabalhando, as coisas que você está descobrindo. E aprender dos outros as coisas que eles estão descobrindo.
 
OP - Qual tem sido a sua linha de pesquisa desenvolvida no Brasil e que tem essa influência no Exterior, já que os seus trabalhos estão dentre os mais citados mundialmente?
JORIO - Uma linha que puxa toda a minha atuação é o uso de luz para estudar a matéria. Você trabalha com a luz para obter informações, desde atômica até a formação de estruturas macroscópicas. Quando comecei a trabalhar com isso, foi no estudo de propriedades de cristais. Depois disso, comecei a trabalhar com nanoestruturas, principalmente nanoestruturas de carbono. Esse estudo começou já no fim do meu doutorado e avançou mais no pós-doutorado que fiz nos Estados Unidos. Estudei muito as nanoestruturas de carbono e o principal efeito chama-se espectroscopia Raman, o efeito do espalhamento Raman. Depois disso, abri o leque. Por exemplo, hoje trabalho no desenvolvimento de instrumentação para a espectroscopia. 

OP – São novos equipamentos para a técnica?
JORIO - Isso, novos instrumentos para a espectroscopia para vencer alguns limites da técnica. Com isso, trabalho com um pouco de empreendedorismo também. Formando pessoas que sejam capazes de abrir empresas e vender equipamentos. Tenho atuação na área biomédica, usando também espectroscopia Raman, que vai desde usar a luz para caracterizar nanoestruturas usadas para carrear a droga para dentro de uma célula até fazer espectroscopia intraocular com um laser pra medir a presença de alguns biomarcadores na retina da pessoa. Fora isso, uma área em que eu sempre atuei é o estudo de nanoestruturas e as propriedades físicas mesmo. Quando há matéria na escala nanométrica, que é dez elevado a -9 de um metro, isso tem propriedades interessantes. Para chegar às propriedades e ter acesso a elas, uma das formas é usar a luz. E, por fim, recentemente iniciei nova linha de estudo, que é o uso de materiais para gerar o que a gente chama de fótons correlacionados, que aí já é uma propriedade quântica da luz de fato. É uma interação da luz com a matéria gerando essas propriedades quânticas da luz. São várias coisas (risos).
 
OP - Quatro brasileiros estão na lista da agência Thomson Reuters com os cientistas mais influentes do mundo. Podemos pensar que são poucos, mas quais são as oportunidades e os desafios que estes quatro tiveram para chegar a essa posição de destaque?
JORIO - Na versão anterior dessa lista, eram dois brasileiros. Então, foi uma melhoria de 100% (risos). Por esse lado é bom. Mas, por outro lado, você olha os Estados Unidos, que têm da ordem de 1,5 mil pesquisadores nessa lista. Não é muito diferente de quando a gente olha os Jogos Olímpicos, do tanto de medalhas que a gente tem. E tudo isso está relacionado a dois aspectos principais. Um é o histórico de evolução das nossas instituições, tanto do ponto de vista de infraestrutura como no de solidificação de procedimentos mesmo. A construção da ciência brasileira é um pouco mais lenta e mais tardia que a europeia, que a norte-americana, sem dúvida. Isso é uma coisa em que a gente tem de continuar trabalhando. Por outro lado, é uma questão de quantidade de pessoas trabalhando e de investimento, o que também tem diferenças, guardadas as proporções. Se você olha o número de pesquisadores por habitante na Europa e nos Estados Unidos, isso é bem superior ao número do Brasil. Se você olha o percentual do PIB que é aplicado em ciência e tecnologia no Brasil, ele também é inferior ao aplicado nestes países. Nem é tão inferior. É claro que estamos em situação econômica instável. Ninguém sabe o que vem por aí. E junto com isso vem a necessidade da melhoria na educação básica. A ciência do mundo inteiro é feita principalmente nas universidades e em alguns centros de pesquisa. Mas, a grande locomotiva são os estudantes. Ter uma educação básica mais forte, mais sólida e mais ampla é necessidade também para se ter uma ciência de peso.

OP - Em questões de competitividade da ciência brasileira, há tendência a pensar que o conhecimento se produz de forma isolada. A ciência do Brasil, a ciência dos Estados Unidos e assim por diante. É uma comunidade científica integrada. Mas é fácil para o brasileiro entrar nessa lógica?
JORIO - Há uma integração muito grande. E, para se chegar num nível de produção científica, para que o pesquisador seja reconhecido numa lista como essa, muitas vezes tudo está atrelado a uma rede de pesquisa. Essas listas sempre selecionam uma pessoa ou outra que aparece por alguma razão numerológica, vamos dizer assim. Mas, a verdade é que há um grupo de pesquisa, de colaboração por trás. Há um grupo internacional e muito grande com quem eu tenho coautoria nos diversos artigos em que trabalho. Dos meus mais de 180 artigos, eu devo ter autoria única em um ou dois. A maioria dos artigos tem um monte de pesquisadores. A cooperação é fator necessário para você chegar a esse nível de produção intelectual. Mas, as dificuldades que a gente tem são de diversos aspectos. Para o brasileiro ir a uma ótima conferência, isso geralmente requer um dia de viagem de avião com preço de passagem altíssimo e tudo.
 
OP - O pesquisador que custeia?
JORIO - Quando o pesquisador começa a ser mais renomado, aí ele começa a ser custeado. Mesmo assim, não é custeado completamente. A princípio, deveria custear suas viagens com dinheiro das agências de fomento, mas não é incomum pesquisador tirar dinheiro do próprio salário para completar viagem. Outra dificuldade desse nosso isolamento é mais séria. É a questão de importação de equipamentos. O Brasil tem, de forma geral, uma indústria de muito baixo teor tecnológico agregado. E a ciência de fronteira é feita com equipamentos com material de consumo de altíssimo valor tecnológico agregado. Isso faz com que a gente tenha de importar quase tudo que usa para trabalhar. É negativo até do ponto de vista econômico. Seria bom se nossa ciência fomentasse nossa indústria. Infelizmente, não é o caso. A gente tendo de importar por causa desse isolamento, o pesquisador fica em situação complicada de competitividade.

OP - Na Física, o Brasil é competitivo internacionalmente?
JORIO - O Brasil tem ilhas de excelência, com temas e locais que têm impacto mundial de reconhecimento enorme. Na área em que eu trabalhei, que foi a de nanoestruturas de carbono, o trabalho de alguns pesquisadores despontou nessa área. O Brasil conseguiu criar massa crítica de número de pesquisadores capaz de gerar uma produção muito importante. No desenvolvimento da física de semicondutores, que hoje é responsável pelos computadores, pelos celulares, a primeira conferência internacional no Brasil foi na edição 50 e poucos. Só 50 anos depois que a conferência aconteceu no Brasil. Já na área de nanoestrutura de carbono, a oitava conferência internacional foi organizada no Brasil. Isso mostra que, numa área de desenvolvimento recente, o Brasil já se configurou como jogador importante desde o princípio. Isso se deve ao número razoável de pesquisadores que atingiu excelência e renome mundial.

 
OP - Há mais equilíbrios ou disparidades entre as regiões e estados brasileiros? O Nordeste, por exemplo, compete em pé de igualdade com o resto do País?

JORIO - O Brasil tem um desequilíbrio claro. O PIB de São Paulo é praticamente equivalente ao PIB do Brasil todo. É questão de volume, mas isso não coloca o estado de São Paulo em questão de excelência e em posição de destaque em relação ao resto. Há algumas ilhas de excelência. Nas nanoestruturas de carbono, uma delas é a Universidade Federal do Ceará (UFC). Sem dúvida. Por razões de conexões científicas e de excelência das pessoas que passaram por aqui, foi um das universidades que se destacou no mundo no estudo da nanoestrutura de carbono. Fortaleza não foi escolhida para essa conferência (sobre espectroscopia Raman) só por ser uma boa cidade. Foi escolhida por existir autoridade científica instaurada e respeitada mundialmente. O governo do (Luiz Inácio) Lula (da Silva) teve durante seis anos o ministro (da Ciência e Tecnologia) que era o professor Sérgio Rezende, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ele implementou distribuição de 30% da verba científica do governo para o Nordeste (incluía também o Norte e o Centro-Oeste). Isso vigora até hoje. É um empenho claro para fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico do Nordeste. Porque, se você deixa as assimetrias funcionarem de forma solta, elas tendem a gerar cada vez mais concentração. No caso brasileiro, houve olhar de reconhecer o potencial do Nordeste e de desejar a descentralização, que é necessária para desenvolver o País como todo.
 
OP - Como as mudanças no Governo Federal têm afetado a ciência? Tivemos o Ministério da Ciência e Tecnologia fundido com o Ministério das Comunicações.
JORIO - Olha, a gente nunca tem certeza sobre o que vai vir e fica torcendo pra que a construção positiva que a gente tem visto na ciência brasileira nas últimas décadas continue alavancando. Mas, sendo muito honesto, a situação atual é de preocupação. Tem o lado da crise econômica, que muitas vezes é uma questão em que muitas vezes a gente se vê de mãos atadas. A gente vê que até os governantes ficam de mãos atadas e têm que tirar dinheiro de onde quer que seja. É uma grande infelicidade que essa retirada de verba aconteça sempre de forma muito forte na educação e na ciência. É uma visão imediatista e que certamente compromete o futuro do País. E a atual situação está gerando instabilidade e que a gente ainda não tem clareza sobre ela. A gente não tem clareza nem se o impeachment atual é juridicamente correto ou não. Todas essas incertezas muitas vezes levam os governantes à necessidade de fazer acordos que não são de necessidades dadas, mas de necessidades de estabilidade política, momentânea. E a ciência e a educação certamente sofrem com isso. O momento atual é de muita preocupação, e a gente torce pra que os governantes tenham sabedoria. A gente tem trabalhado o tanto que pode para mostrar pra sociedade, para passar aos governos que você não pode deixar a ciência e a educação com cobertor curto. Porque você compromete certamente as futuras gerações.

PERFIL

Ado Jório de Vasconcelos nasceu em Belo Horizonte e começou a trajetória pelo curso de Engenharia Elétrica. Mudou para a Física, concluindo a primeira graduação em 1994 na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Antes do doutorado em Física, fez duas especializações na França. Fez doutorado na UFMG e pós-doutorado no Massachussets Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, dando continuidade ao estudo de propriedades ópticas de nanomateriais. Teve um cargo de direção e segue como pesquisador vinculado ao Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). É professor e chefe do Departamento de Física da UFMG.




A locomotiva da ciência são os estudantes. Uma educação básica forte é necessidade para se ter uma ciência de peso

Nas nanoestruturas de carbono, a Universidade Federal do Ceará é ilha de excelência

O POVO online
Confira vídeo com trechos da entrevista de Ado Jorio. Ele comenta os primeiros passos para quem se inicia na ciência e traça paralelo do
Brasil em relação ao resto do mundo
 

PERGUNTA DO LEITOR
Alejandro Pedro Ayala -coordenador do programa de Pós-Graduação em Física na Universidade Federal do Ceará (UFC) - PERGUNTA DO LEITOR Qual o futuro e as perspectivas da técnica da espectroscopia Raman?

JORIO - A espectroscopia Raman está num momento de transição muito glorioso, porque tem duas características muito importantes. A positiva é que ela é muito rica em informação. Você pode criar diagnósticos médicos, informação para controle de qualidade de materiais, qualidade de fármacos para saber se é um remédio de fato ou um placebo. Tudo isso pode ser feito com a espectroscopia Raman de forma muito poderosa, simples e barata. Uma propriedade que de certa forma é negativa é que o espalhamento Raman é um efeito de ótica muito fraco. Para um equipamento obter a informação que você precisa, tecnologicamente é um desafio. O que acontece é que, nas últimas décadas, a evolução e a queda de preço dos lasers, dos detectores de luz foi muito grande. Isso colocou a técnica na atualidade como viável do ponto de vista tecnológico e econômico.
O Povo

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