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Modelo haitiano se muda para SP por vaga em medicina via Enem

Jean Woolmay Denson Pierre, de 20 anos, fará o Enem pela primeira vez. Ele se matriculou em um cursinho e quer 'ajudar pessoas' com a medicina.

O haitiano Jean Woolmay Denson Pierre, de 20 anos, chegou em São Paulo no mês de março sem falar uma palavra em português e agora já incorporou ao vocabulário expressões como “trampo” e “da hora.” Diz que gosta dos parques Ibirapuera e Trianon e sente frio quando a temperatura está abaixo dos 30 graus. Mas escancara mesmo o sorriso quando se depara com a lente da câmera fotográfica ou fala de seus trabalhos como modelo que começaram ainda na infância em Porto Príncipe, capital do Haiti.
No cursinho onde estuda, o Maximize, na Avenida Paulista, passa quase o dia todo se preparando para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pela primeira vez e disputar uma vaga para o curso de medicina. Pretende se especializar em cirurgia.
“Tem coisa que nunca vi na vida, mas estou conseguindo aprender. Gosto de tudo que é mais difícil, acho que vou conseguir”, diz. Depois de formado, não sabe bem ainda que rumo vai tomar. Lembra que os haitianos necessitam muito de médicos, e que gostaria, por exemplo, de atuar em iniciativas como o Médico sem Fronteiras.
“No Haiti tem muitas doenças novas que ninguém sabe o que é. Além disso, tem muitas pessoas amputadas, que perderam partes do corpo, e não têm assistência médica”, afirma.
De Porto Príncipe, onde nasceu, tem saudade dos amigos, familiares, lembra da destruição causada pelo terremoto em 2010 e pelas separações que a família teve de enfrentar para conseguir trabalho. “No Haiti não tem trabalho, é difícil ganhar dinheiro”, diz.
Quando o terremoto devastou o país, a família do estudante mantinha um mercadinho em Porto Príncipe.
“Com o terremoto, perdemos muita mercadoria. Lembro de sentir o tremor, de ver árvores e casas caídas, pessoas machucadas, todo mundo correndo. Passamos um mês dormindo em cabanas porque não podíamos voltar para casa.”
O pai de Woolmay, Jean Wilder Pierre, morou nas Bahamas, em algumas ilhas do Caribe e nos Estados Unidos para trabalhar como chef de cozinha e sustentar a família de classe média no Haiti. Ele passou oito anos nos Estados Unidos, destes, cinco, com a esposa.
Neste período, Woolmay e o irmão cinco anos mais novo, Jean Jaime, ficaram no Haiti, sob os cuidados da avó. Foram cinco anos sem ver os pais. “O primeiro ano foi muito difícil, nem dava para falar ao telefone porque minha mãe só chorava.”
O pai chegou a ficar dois meses preso por trabalhar ilegalmente, nos Estados Unidos. Voltou para o Haiti e em 2012, resolveu vir para o Brasil, no Paraná, depois que um amigo o ajudou a conseguir o visto. “Ele chegou sem falar uma palavra em português, mas falava francês, espanhol e inglês.”
Foram quatro anos no Brasil até o pai de Woolmay trazer toda a família. Eles foram morar em Joinville (PR), mas Woolmay resolveu se mudar para São Paulo neste ano para fazer cursinho e continuar a carreira de modelo, contrariando a vontade do pai.
Em São Paulo fez fotos para marcas famosas como Nike, Lacoste e recentemente teve uma foto do editorial de moda publicada na Revista Vogue.
“Gosto de São Paulo, aqui tem oportunidade para a carreira e as pessoas são legais. O Haiti é um país fechado, as pessoas são mais conservadoras.” Ele divide o aluguel de um apartamento na Zona Norte com outros dois haitianos e precisa trabalhar para manter as despesas.
Apesar de dizer que em São Paulo “tem gente boa” já foi vítima de racismo na rua, no metrô e até no cursinho. Não gosta de lembrar, prefere não comentar. “Só tenho a cor diferente.”

G1

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