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POR QUEM OS SINOS DA CATEDRAL DOBRARAM?

Prof. Marcus Fernandes*
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João Pessoa, capital do estado da Paraíba. A cidade é escura por ser coberta por uma arborização nativa que invade as suas ruas, praças e bosque. Os seus mares são mansos e calmos e aconchegam as ondas plácidas do oceano atlântico que se debruça sobre as areias brancas de um imenso e sinuoso litoral. Lá, se respira o ar de um clima ameno e saudável. Suas ladeiras serpenteiam entre ruas estreitas que mal acomodam seus transeuntes. São atapetadas por um calçamento tosco, bruto e informe. É uma cidade onde reside um povo bravo, mas hospitaleiro e que sabe amar e receber o seu próximo e o forasteiro. Ah! Terra pequenina. Berço que acalantou tantos homens cultos, vibrantes e arrebatados oradores atenienses e poetas camonianos.

        Era um dia chuvoso do mês de São João. Á tardinha, as fogueiras ardiam de fronte ás casas da Rua Barão da Passagem, crepitando folhas e madeiras secas de imensos toros de seculares mangueiras. No meio de um chuvisco, o anoitecer acordou cedo na antiga cidade localizada no estratégico ponto setentrional mais saliente da América Latina. Aquele entardecer molhado por um inverno perene e sutil convidava a boca da noite, sua eterna namorada para se esconderem na escuridão dos céus e borrifar com a cor de betume as ruas inóspitas. Ás casas de portas cerradas acomodavam famílias de proles extensas tilintado suas mandíbulas de frio. Algumas daquelas mansões exibiam nas suas paredes sujas pela fuligem, azulejos multicoloridos que contavam as proezas dos nossos irmãos lusitanos, aqueles mesmos desbravadores portugueses que desembarcaram no Porto do Capim construído na cidade baixa. São memórias da época do império que foram exaltadas nestes quinhentos anos ou mais de fundação da cidadela, decantados pelos escritos dos historiadores paraibanos.

         Os sinos estridentes da Catedral Metropolitana que se ergue majestosa olhando para a Rua Nova, contraditoriamente a artéria mais antiga da cidade, precisamente ás 18,0 h. Começaram a badalar seus primeiros acordes ensurdecedores. Tão altos eram os sons agudos entrecortados pelos ribombar da grave sonoridades emanada pelos grandes sinos de bronze oxidados pela ação dos tempos que acordaram a cidade inteira. Pensaram que era o convite á oração em louvor á Maria Santíssima. Mas o badalar era triste, profundamente triste. O velho sineiro de barbas longas, cabelos desgrenhados, em desalinho, alquebrado e curvo pelos anos perdidos naquele mesmo ofício, alertava a população para orarem pelas almas de alguns cristãos que foram chamados por satanás. Os rádios antigos de pilhas longas anunciavam a morte de uma família inteira.

          Enfrentando a brisa fria que soprava nas ruas escuras e a neblina daquela noite tempestuosa e lúgubre, algumas pessoas saíram de suas casas até á calçada para comentarem o insistente anúncio triste de vozes embargadas dos locutores da Rádio Tabajara.

          A força policial se encontrava em frente á mansão de Dona Isabel Maia al lado de um rabecão preto enquanto médicos legistas examinavam os cadáveres que se amontoavam no grande salão de ladrilho importado, e os peritos tentavam desvendar o ministério da morte em grupo de dez pessoas. De suas bocas exalavam um odor fétido que invadia o ambiente e deixava escorrer uma substância viscosa e nauseabunda. Nos corredores da antiga casa e no velho sótão de acesso íngreme, os investigadores buscavam alguma pista. Finalmente encontraram uma carta rabiscada pelos infelicitados cadáveres. Dizia a missiva escrita com caneta trêmula: “ Não houve alternativa. Tivemos que ingerir uma alta dose de “stricnus nox vômica” para assegurarmos uma morte certa e incolor. A situação em que se encontrava nossa família era muita periclitante. Todos desempregados a mercê da desastrosa política do governo. Passávamos fome. Não havia outra saída senão entregamos nossas almas ao diabo”.
**Dentista, Ator, Pedagogo e Advogado. E escritor, poeta e escultor. Ocupa a Cadeira 25 da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

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