Alma é a chave, diz Alceu Valença. É como um garoto em meio aos músicos gringos numa manhã qualquer, um garoto em qualquer entrevista em que se disponha a dar, um garoto que se diverte nos palcos. "Para mim, o palco é o nirvana", ele diz. Alceu tem, atualmente, sete formatos de shows à disposição do público, dos mais carnavalescos, passando por apresentações ancoradas no forró e outros que reúnem os maiores clássicos desses mais de 40 anos de carreira - e aí estão incluídos "Tropicana", "Coração Bobo", "Estação da Luz", "Na Primeira Manhã", "Belle du Jour" e a citada "Anunciação". O mais recente deles é "Vivo! Revivo!", transformado em CD e DVD, cuja estreia em São Paulo será nesta sexta, 18, sábado, 19, e domingo, 20, no Sesc Pinheiros.
É um repertório dentre os mais pedidos pelos fãs nas redes sociais, aquele que determina a primeira fase da carreira de Alceu Valença, lançado entre 1974, com o debute solo "Molhado de Suor", até "Espelho Cristalino", de três anos depois - entre eles veio "Vivo!", em 1976. E falar sobre o início de carreira com Alceu é um passeio divertido pelas memórias que saltam à língua do pernambucano, às vezes, fora de ordem. Do medo do pai dele de que ele se tornasse músico - e, por isso, só foi ouvir rádio ou ter um toca-discos depois de completar 18 anos, ao ingressar na faculdade de direito -, às influências da musicalidade da sua terra enraizadas em sua cabeça e ao desconhecimento de Rolling Stones. "Por isso", ele explica: "Quando lanço Molhado de Suor não há nada parecido com o que eu fazia". Alceu atesta que aquela trilogia de discos que começaram a pavimentar seu caminho não lhe garantia espaço em nenhum dos três principais movimentos musicais que dominavam o Brasil ao fim daquela década de 1970. "Não era tropicalista. Não era da 'MPB chiquista' (em alusão à sonoridade de Chico Buarque). Não era jovem-guardista. Não parecia com nada."
Num período de ditadura militar, Alceu usava de suas metáforas para driblar censores e, com isso, dizer aquilo que o jovem de pouco menos de 30 anos tinha necessidade de colocar para fora. "Era um grito maluco contra a ditadura", explica. "Cabelos Longos", por exemplo, é uma canção na qual Alceu solta seus demônios ao falar de policial que prendeu um amigo por conta do tamanho das madeixas dele. "Eu era um artista no começo de carreira, vivendo em uma época de ditadura. O que havia ali era um reflexo do sofrimento das pessoas que estavam ao meu redor."
O fim da primeira fase da carreira de Alceu coincide com o ano em que passou morando na França, em 1979. Ali, passou a fazer shows que chamaram a atenção dos franceses. E também teve acesso livre à "radiola", como ele gosta de chamar os toca-discos, do amigo que lhe dera moradia. "E ele só tinha discos de Luiz Gonzaga", relembra. Em Paris, lançou "Saudade de Pernambuco", cujo título é autoexplicativo. Alceu tinha saudade de sua terra, dos seus gostos, dos seus sons. De volta, em 1980, ingressou em uma fase criativa invejável, com oito álbuns lançados em apenas sete anos. "Saudade de Pernambuco", uma raridade, só foi sair em 1998, encartado pelo Jornal da Tarde. Agora, também no ano em que Alceu completa 70 anos, é lançada uma nova versão, enfim em vinil, para fazer justiça ao material sonoro produzido por ele e por poucas pessoas ouvido.
Morador do Rio desde os anos 1970, Alceu fugiu para seu estado natal no dia do seu mais recente aniversário. Zarpou em um voo para Campina Grande, na Paraíba, e de lá seguiu de carro até Afogados da Ingazeira, já em Pernambuco. "Não deu tempo nem de passar no hotel. Fui direto para o show", conta Alceu, que brinca não gostar de "dar festas para os outros". "Eu não bebo", ele diz. "Palco, para mim, é saúde, é vitalidade", garante. Mesmo que seja em uma esquina qualquer. "É o meu paraíso."
Alceu Valença
Sesc Pinheiros. R. Pais Leme, 195, Pinheiros, tel.: (011) 3095-9400. 6ª (18) e sáb. (19), às 21h; dom. (20), às 18h. R$ 18 a R$ 60.
Agência Estado
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