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Daniel Pennac lança novo livro no Brasil

Escritor Daniel Pennac: "O conhecimento de nosso corpo permite uma desdramatização de inúmeras sensações. Com ele nós paramos de sofrer, acedemos ao conhecimento de nós mesmos", argumenta
Hoje em dia é mais fácil falarmos de nossos problemas emocionais do que dos físicos, acredita o escritor francês Daniel Pennac. Em "Diário de um corpo" (Rocco, R$49,50), seu mais novo lançamento no Brasil, o autor de sucessos como "Diário de escola' (mais de 1 milhão de cópias vendidas na França) tenta devolver as questões corporais à pauta contemporânea.
Não a carne superexposta das redes sociais, das capas de revista e das propagandas de TV, mas a das pequenas dores cotidianas, das necessidades fisiológicas e prazeres íntimos - todos esses sinais misteriosos emitidos por nossas carcaças.
O romance traça a vida de um homem pela sua evolução física, dos 12 anos até a sua morte, aos 87. Constrangido e marginalizado por sua frágil constituição, o personagem toma uma decisão drástica ainda na infância: nunca mais terá medo. Para isso, inicia a conquista do seu próprio corpo - e registra o passo a passo dessa transformação em um diário.
"O conhecimento de nosso corpo permite uma desdramatização de inúmeras sensações", argumenta Pennac, em entrevista ao Globo por e-mail. "Com ele nós paramos de sofrer, acedemos ao conhecimento de nós mesmos. Em todos os domínios, o conhecimento vale mais do que a ignorância e a fantasia".
Nos mais de 70 anos contidos na narrativa, o que interessa é descrever dores e sentidos, como o toque sensual do vento na pele, o peso que a cabeça faz durante a leitura, o prazer de manipular uma meleca de nariz, a dificuldade de uma dança, mas também o medo da doença, da velhice e da morte.
À primeira vista, essa introspecção anatômica parece insólita. Mas Pennac, um ex-professor de colégio, usa todo o poder de persuasão adquirido em anos de sala de aula para convencer o leitor da importância de seu assunto.
Naturalidade e pudor
O livro é um manifesto contra o pudor físico, expondo com naturalidade tudo aquilo que a sociedade prefere esconder: fezes, orifícios, roncos, secreções... O tom é objetivo, neutro e natural, como se a única verdade do ser humano estivesse contida nesses detalhes. "Quero escrever o diário do meu corpo porque todo mundo fala sobre outra coisa", justifica o narrador.
Mas, se hoje o assunto virou tabu, Pennac recupera toda uma tradição perdida, na qual se encontram escritores como François Rabelais, o médico renascentista que associou escatologia e humanismo; e Michel de Montaigne, que em seus ensaios do século XVI soube escutar atentamente os mistérios do seu organismo.
"O corpo não lhes dava medo, é o mínimo que se pode dizer!", diz Pennac. "A grande noção de pudor aparece depois do romantismo, no século XIX, com o casamento contratual das grandes fortunas. Silêncio financeiro e pudor físico parecem se associar. A relação do corpo muda radicalmente com o surgimento da burguesia dos negócios, da física aventura napoleônica".
Questionado se, de tanto analisar a saúde de seu personagem, não acabou se tornando um pouco hipocondríaco, Pennac desconversa. A relação com seu corpo, diz, é "a mesma de qualquer pessoa": quando tudo vai bem, esquece dele; quando algo começa a degringolar, busca a peça defeituosa; quando lhe dá prazer, ocupa todo o seu pensamento. A pesquisa para o livro, porém, foi além das suas próprias sensações:
"Observei crianças que nasceram perto de mim, observei pessoas, interroguei meus amigos médicos, escutei velhinhos que acompanhei até o último sopro. É preciso amar o ser humano em todos os seus estados e, em seus últimos dias, acompanhá-lo com ternura. É preciso dar aos moribundos tanta ternura quanto a um recém-nascido".
Territórios
Um dos escritores contemporâneos mais conhecidos da França, Pennac tem diversos livros publicados no Brasil, incluindo os sucessos da Saga Malaussène. O autor morou por aqui entre 1979 e 1981, para acompanhar a mulher, que foi professora da Universidade Federal do Ceará.
No Nordeste, encantou-se pela literatura de cordel, pelo flamboyanzinho e os livros de Jorge Amado e Euclides da Cunha, e não passava uma noite sem assistir à Sonia Braga em "Gabriela". "Adorei esse imenso território de sol, de tragédia, de dignidade, de poesia e silêncio profundo", revela o autor, que se inspirou na temporada brasileira para escrever "O ditador e a rede" (2003), sátira política situada no Piauí.
Mas é no bairro parisiense Belleville, cenário de todos os livros da "Saga Malaussène", que Pennac encontrou seu habitat natural - área multicultural, boêmia e artística, conhecida por suas excentricidades.
Diário do Nordeste

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