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"Walter Benjamin - Uma biografia" explora vida e obra do autor a partir de eixos temáticos

Muitas singularidades marcaram a vida e a pós-vida de Walter Benjamin. Judeu alemão, nascido no fim do século XIX, em 1892, morreu na Europa quando a Segunda Guerra Mundial ainda estava em curso. Passadas mais de sete décadas, seu nome não cessa de ser enunciado, escrito, lido e ouvido - na Universidade, na imprensa e em praticamente qualquer seara de produção intelectual, que tenha nas humanidades uma fonte e uma finalidade.
A capacidade de atravessar os séculos pode ser comum a muitos filósofos. Esse "muitos", claro, é relativo e coincide com os grandes do pensamento ocidental; estar entre eles é, por si só, uma distinção. Colocar-se como uma esfinge, que exige um esforço permanente de interpretação e de reinterpretação é para um grupo menor neste diminuto clube.
Neste, Benjamin também tem seu lugar. Mais solitária só mesmo a posição de quem imbricou vida e obra e que praticamente impõe a seus críticos considerar sempre a primeira, em busca de pistas para a segunda. Esta, no caso de Benjamin, por vezes propositadamente hermética e exotérica; e, em outros casos, involuntariamente despedaçada, fragmentária.
Não faltam bons textos que articulam a trajetória de vida e os movimentos do pensamento de Benjamin. A ensaísta norte-americana Susan Sontag (1933-2004) incluiu um perfil do filósofo em seu livro "Sob o signo de Saturno".
O escritor catalão Enrique Vila-Matas converteu Benjamin em personagem de ficção, integrante de uma sociedade secreta vanguardista, em "História abreviada da literatura portátil". De estranhar é que não houvesse no mercado editorial biografias em profusão, tanto pelo prestígio do autor (ampliado com a facilidade de publicar traduções de seus textos, depois que os mesmos entraram em domínio público há seis anos); quanto pelo interesse das editoras em biografias, de toda sorte de personagens.
Lacuna
A editora mineira Autêntica ajudou a suprir essa lacuna. A casa já mantém a coleção Filô-Benjamin, que edita no Brasil livros e coletâneas de ensaios assinados pelo autor, organizadas (por eixos temáticos) e traduzidas pelo português João Barrento. "Walter Benjamin - Uma biografia" é, de certa maneira, um complemento à coleção, que busca dar ordem a uma obra que desafia o ordenamento.
O livro foi escrito por Bernd Witte ainda na década de 1980 e ganhou diversas traduções. O prestígio do autor só cresceu nestas três décadas. Desde 2001, Witte é Presidente da Sociedade Internacional Walter Benjamin (IWBG) e, em suas passagens por universidades da Alemanha, dos EUA, da França e de Israel, pesquisou e publicou sobre autores judeus-alemães dos séculos XVIII a XX. Trata-se de um universo que abriga Walter Benjamin não apenas por suas origens, mas por seus contatos intelectuais mais importantes e duradouros (com Gershom Scholem e Theodor Adorno, por exemplo).
Recorte
A biografia não tem o formato convencional. Witte não tem qualquer interesse em episódios da vida pessoal de Benjamin que não sirvam para explicar sua vida intelectual.
A primeira noiva do autor, por exemplo, entra e sai de cena, sem emoção ou detalhes das circunstâncias do início e do término deste romance.
Ele constrói o livro como uma linha cronológica de ensaios, em que se sucedem os grandes temas de Benjamin e as recorrências de seu pensamento: o judaísmo, o misticismo, a linguagem, a literatura, a arte, a política.
É uma obra que dá apoio ao leitor que se debate com um filósofo de obra paradoxal. O texto de Benjamin é belo, dotado de qualidades literárias; seu pensamento, no entanto, exige um leitor com talento de pesquisador.
O radicalismo da proposta de Witte é tal que, em seu recorte dos fatos, a própria morte de Walter Benjamin é citada, mas não explorada. O biógrafo não caiu na tentação de se deter na narração de um episódio romanesco: fugindo dos nazistas, Benjamin queria alcançar os EUA, precisando sair da França ocupada para chegar em território espanhol.
Na fronteira, foi barrado pelas autoridades catalãs e, temendo ter o fim dado aos judeus pelo regime de Hitler, ele se matou com uma overdose de morfina.
No dia seguinte, o grupo com o qual estava conseguiu reverter o impedimento da véspera e ser liberado para chegar à Espanha.
Livro
Walter Benjamin: Uma biografia
Bernd Witte
Tradução:Romero Freitas
1
Autêntica
2017, 160 páginas
R$ 47,90
Diário do Nordeste

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