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Livro resgata a última versão do texto de Benjamin, de 1939

Um dos textos mais representativos do século XX, tanto para os estudos de comunicação - em especial o capítulo que trata sobre a indústria da cultura - quanto para a estética, "A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica", lançado em 1936, traduz a inquietação do filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940), um dos primeiros pensadores a se preocupar com a relação entre arte e mídia.

Em tom profético ou premonitório, o autor lançava, há mais de 80 anos, questionamentos que continuam pertinentes até hoje, ao analisar a obra de arte no contexto da modernidade e da cultura da massa. Assim, investiga aspectos subjetivos, como aura, conceito referente à originalidade e autenticidade da obra, antecipando questões como o embate entre pintura e fotografia, abrindo caminho para as vanguardas e, mais recentemente, discussões em torno das novas tecnologias da informação.

Demonstração da atualidade do estudo é apontada no artigo "Comentário sobre Benjamin e A obra de arte", de Detlev Schöttker, professor da Universidade Técnica de Dresden, que abre o livro "Benjamin e a obra de arte - técnica, imagem, percepção" (Editora Contraponto, 256 páginas), ao relacionar as ideias do autor de "O anjo da história" às do filósofo Jean Baudrillard (1929-2007). Para pesquisador, o novo princípio da reprodução equivale à noção de simulação proposta pelo estudioso francês, conhecido pelas investigações em torno do chamado "hiper-real".

Revista

Schöttker, um dos mais reconhecidos pesquisadores da obra de Benjamin, passa em revista o estudo, ponto por ponto, sempre fazendo relação com a contemporaneidade. Nessa perspectiva, identifica a ligação entre "reprodutibilidade e as possibilidades da geração digital", bem como mídia e recepção, ampliando o diálogo ao trazer para a conversa Marshall McLuhan, Vilém Fluser e Jonathan Crary, entre outros, enfocando sempre a importância de Benjamin nessas transformações.

Em seu artigo, Schöttker lembra que, desde o início do século XX, foram registradas modificações no binômio arte e realidade, em função das possibilidades da digitalização. "A arte não será mais confrontada com a realidade como no debate sobre o realismo, mas concebida como um mundo próprio, produzido artificialmente", escreve, acrescentando que Baudrillard discutiu esse processo no livro "A troca simbólica e a morte", referindo-se à obra de arte.

Seguindo seu raciocínio, Walter Benjamin teria sido o primeiro a reconhecer as consequências fundamentais de um novo princípio da reprodução que Baudrillard chamará de simulação.

A ideia é transportada para o campo da cultura de massa, fenômeno que desperta a atenção dos pesquisadores logo nas primeiras três décadas do século passado. "De acordo com esse princípio, as representações na mídia de massas não mais se orientam segundo uma realidade experimentável, e sim de acordo com uma realidade inventada, que não mantém relação com a realidade". Baudrillard denomina esse novo fenômeno de hiper-realidade, justificando que "todas as formas se modificam, a partir do momento em que não mais são produzidas mecanicamente, mas concebidas em virtude de sua reprodutibilidade".

Nesse sentido, merece destaque o movimento da Pop Art, que tem em Andy Warhol (1928-1987) um dos principais representantes. Além dos "ready-mades" de Marcel Duchamp (1887- 1968).

Warhol "foi um grande momento do século XX porque ele foi o único a ter sabido realmente dramatizar; fez com que a simulação fosse ainda um drama, ainda uma dramaturgia. Ele tinha como princípio dizer: eu sou uma máquina, não nada", ressalta Baudrillard, no polêmico artigo "O complô da arte".

Para o francês, o artista é considerado o fundador da modernidade por ter conseguindo liberar-se da estética da arte. Ou seja, jogou por terra o conceito da aura da obra de arte, discutido por Benjamin, cujo artigo ganhou várias versões, constituindo referência no tema até hoje.

No livro, os pesquisadores Schöttker, Susan Buck-Morss e Miriam Hansen abordam o estudo sob vários aspectos.

Ideia replicada

As ideias de Benjamin foram replicadas por diversos autores. Um deles foi o também francês Paul Virilo, cujas referências ao estudo "A obra de arte" podem ser observadas nas publicações dos anos 1980, "Estética do desaparecimento" e "Guerra e cinema".

Virilo enxerga "sobretudo a mudança na percepção graças ao aumento da velocidade no tráfego e nos meios de comunicação. Assumem aí um papel central o cinema, a televisão e as tecnologias de vídeo".

A afinidade entre os dois autores fica explícita em "A máquina da Visão", no qual escreve: "Marcas geométricas, iniciais, a cruz gamada, a silhueta de Chaplin, o pássaro azul de Magritte ou a boca pintada de vermelho de Marilyn levam uma vida própria, parasitária, que não pode ser explicada apenas pela reprodutibilidade técnica, da qual tanto se falou do século XX em diante. Estamos diante da consequência lógica de um sistema, que desde alguns séculos atribuiu um papel dominante à velocidade das técnicas de comunicação visual e oral e ao sistema de intensificação das mensagens".

Para o autor, os escritos de Baudrillard e Virilo - melhores que os da Escola de Toronto, berço de McLunhan - são mais esclarecedores quanto à mudança fundamental que se tornou possível no fim da década de 1980, principalmente com o advento da geração digital: da imagem como cópia produzida tecnicamente para a imagem autônoma. Foi isso o que fez a Pop art, em especial Andy Warhol.

Schöttker lamenta o crítico alemão, morto em 1940, não ter acompanhado tal mudança. Nem mesmo viu a entrada em cena da revolução digital, tampouco a ênfase no audiovisual. Mesmo assim, Benjamim fala da televisão, da fotografia e do cinema em "A obra de arte", como quando se refere à categoria de "examinador distraído", ao fazer menção ao espectador no cinema.

"Quem seria esse, senão o consumidor de mídias pós-moderno, que escolhe entre os serviços globais de imagens e sons de acordo com seu estado de espírito e na medida das suas necessidades de informação e entretenimento?", escreve o pesquisador alemão Klaus Kreimeier, no livro "A aparência digital", organizado por Florian Rötzer, publicado em 1991.

A fim de provar a atualidade do texto, argumenta: "Desde a aprovação da gravata de um âncora até reação crítica, examinadora, de imagens do 11 de setembro, o telespectador é o examinador crítico por excelência". A vinculação da obra de arte com o desenvolvimento das novas técnicas de mídia faz com que o texto seja considerado não só precursor das ciências da comunicação, mas também fonte de inspiração aos estudos culturais, nos quais o nome de Benjamin passou a ser citação obrigatória.

De maneira didática, Schöttker arrisca relacionar quatro linhas de pesquisa ligadas ao texto de Benjamin, seja no campo da comunicação ou das artes. "A história da reprodução nas artes, sendo o filme a última etapa da reprodutibilidade técnica (para Benjamin); as diferenças entre as artes tradicionais e artes modernas, em particular a vanguarda; a influência da fotografia e do cinema na mudança da formas de representação e experiência; a integração da arte no fascismo".

Os estudos podem ser realizados em diferentes momentos e com focos variados, ampliando assim a pesquisa nos estudos de comunicação, estendendo-se ao campo da política, quando aborda o fascismo e a cultura de massa.

Reprodução

Embora o texto seja bastante discutido no campo da comunicação, "A obra de arte" alcança dimensão também na seara da estética, uma vez que antecipa questões redimensionadas em outros momentos da história. A discussão em torno da aura da obra é uma delas, assim como a querela entre fotografia e pintura.

"Em princípio, a obra de arte sempre foi suscetível de reprodução. O que seres humanos fazem pode ser imitado por outros. Os estudantes copiavam obras como forma de se exercitar, os mestres as reproduziam para divulgá-las, e finalmente outras pessoas as copiavam para ganhar com isso", sentencia Benjamin, atentando para o fato de as técnicas de reprodução serem um fenômeno novo.

Dessa maneira, explica que os gregos só conheciam dois métodos de reprodução técnica da obra de arte, a fundição e a cunhagem. "As únicas obras que reproduziram em série foram os bronzes, as terracotas e as moedas. Todas as outras consistiam em exemplares únicos, que não podiam ser tecnicamente reproduzidos", esclarece.

A xilogravura inaugura a possibilidade de reprodução técnica de desenhos. Foi preciso esperar algum tempo para que a escrita pudesse ser reproduzida por meia da imprensa.

"Graças à litografia, as artes gráficas puderam ilustrar a vida cotidiana e se situar no mesmo nível da imprensa", mas logo é superada pela fotografia, fazendo com que a mão seja dispensada das tarefas artísticas essenciais nos processos de reprodução da imagem.

"Como o olho capta com mais rapidez do que a mão é capaz de desenhar, acelerou-se extraordinariamente o processo de reprodução de imagem, que passou a acompanhar a própria fala".

No fim do século XIX, surge novo problema, representado pela reprodução técnica do som. Em rápida análise, Benjamin resume a evolução da arte e antecipa alguns dos seus principais questionamento, cujos desdobramentos permanecem na atualidade, como a questão da autenticidade da obra. "A autenticidade de algo é a essência de tudo que é transmissível desde a origem, da sua permanência física até seu testemunho histórico(... ) Aquilo que desaparece nessas circunstâncias pode ser compreendido sob o conceito de aura. O que desaparece na época da reprodução técnica da obra de arte é a sua aura".

Sintético e abrangente, "A obra de arte", texto com cerca de 40 páginas, analisa o impacto das imagens técnicas e as novas formas de percepção na modernidade.

Na apresentação da obra, Cesar Benjamin, assegura que, até épocas recentes, a obra era única, e as cópias eram falsificações. Mas a simbiose entre técnica e arte produziu alterações tanto na criação quanto na recepção.

"Além da possibilidade ampliada de reproduzir obras, também surgem obras criadas para serem multiplicadas em série, especialmente graças à fotografia e ao cinema. A contemplação individual de uma obra única deu lugar à percepção coletiva e distraída de cópias amplamente disseminadas", argumenta, trazendo o texto para a ordem do dia, sobretudo com as possibilidades propostas pelo digital.

Desde a elaboração de obras até sua fruição, passando pelo compartilhamento e direitos autorais. "O novo contexto eliminou a 'aura', aquela combinação de inacessibilidade, originalidade e autenticidade que nascia de uma relação específica entre o observador e o objeto artístico. Fabricadas em massa, as mercadorias da indústria cultural também são produzidas para as massas".

Livro

Benjamin e a obra de arte - técnica, imagem, percepção

Walter Benjamin, Detlev Schöttker, Sisan Buck-Morss e Miriam Hansen

Contraponto / Coleção Artefóssil

256 páginas

R$ 52

Diário do Nordeste

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