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Por uma leitura universal do Cordel

São os mais variados "causos" e desventuras a riscar e garantir a aura em torno do cordel. Perpetuado de modo democrático e popular, estas publicações revelam paisagens e as sociedades de um País repleto de contrastes e dilemas. Entre os versos e páginas cuidadosamente montadas, saltam as engenhosas comunicações destes artistas. Quando contada, história boa repercute nas mais diferentes trajetórias. Existe espaço também para o convívio entre esta literatura e o mundo virtual.

Distante no sentido geográfico, próxima perante a esperteza de alguns cliques através do computador (ou plataformas móveis), a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos (The Library of Congress) disponibiliza acervo digital da literatura de cordel brasileira. Englobando um universo com mais de 12 mil peças, a iniciativa busca capturar esse gênero e permitir que pesquisadores e admiradores do mundo inteiro obtenham informações online sobre esse material.

O trabalho de catalogação encontrou o ápice em fevereiro deste ano e, por meio do escritório sediado no Rio de Janeiro, disponibiliza uma série de arquivos reunidos sob o tema "Brazil Cordel Literature Web Archive". O serviço prestado permite o acesso online a inúmeras páginas de autores brasileiros. Ou seja, cataloga e mapeia a atividade dos cordelistas através da internet.

Esta coleção de arquivos extraídos diretamente da web é composta de sites ou blogs que disponibilizam texto integral, clipes de vídeo ou áudio de repentistas, além, é claro, de notícias sobre eventos relacionados ao cordel. Lança luz sobre a oportunidade de autores não só divulgarem obras, como também escrever e discorrer sobre a produção. "É importante preservar os blogs de cordel porque eles têm um propósito diferente: representam a voz do blogueiro", detalha o texto de apresentação do projeto da biblioteca.

A sede localizada na capital fluminense conta com apoio da Divisão Hispânica da Biblioteca do Congresso em Washington e ambos trabalham conjuntamente com o American Folklife Center (AFC) para que a coleção de "Brazilian chapbooks" (como é designado o cordel na língua inglesa) seja cada vez mais seja ampliada.

O termo "chapbooks", aliás, é tomado da Inglaterra. Os livrinhos na Europa ganhavam esse nome e eram extremamente parecidos com as publicações brasileiras. Existiam, todavia, duas diferenças básicas, aponta a pesquisa do escritor Bráulio Tavares. "O folheto nordestino é quase sempre em verso e no chapbook inglês predominava a prosa. Outra marca é que no Nordeste usa-se uma ilustração (xilo, foto etc) apenas na capa, enquanto os livros ingleses carregavam gravuras ilustrando o corpo do texto", explica através do texto "O cordel da Inglaterra".

Dedicação

Entre as peças que compõem o repertório do escritório brasileiro constam cartazes brasileiros, catálogos de exposições de arte e arquitetura brasileiras, gravuras, xilogravuras, convites para exposições de arte, folhetos, programas, fotografias e literatura de cordel doadas pelo jornalista norte-americano Sol Biderman. Muito deste material remonta à década de 1930. Outra iniciativa é reunir o trabalho dos repentistas através da aquisição de CDs e DVDs.

Quem lida diariamente e de modo imersivo com todo esta coleção é a bibliotecária brasileira Marli Gomes Soares. Atuando exclusivamente através do escritório no Rio, a pesquisadora revela que muito das aquisições resultam de viagens e contato direto com os criadores desta arte. "É de grande importância para a biblioteca enriquecer este elo. Existe um grande interesse por esta literatura tão popular e vibrante", aponta.

Com quatro décadas de labuta somente na biblioteca (começou a trabalhar em 1976), o verdadeiro garimpo propiciado pela funcionária resulta em viagens por mercados de rua, bancas de jornais, casas de cordelistas e fornecedores. Este mapa inclui, ente outras localidades, Caruaru, Fortaleza, Teresina, Recife e João Pessoa.

"Este serviço visa atender, também, cerca de 15 universidades norte-americanas", descreve. A dedicação de Marli nem pensa em dar trégua. Por telefone, confidencia que a próxima meta será visitar a 12ª Bienal Internacional do Livro do Ceará, que acontece de 14 a 23 de abril no Centro de Eventos. A expectativa é encontrar outros criadores e ter contato direto com as obras. Tal cuidado pode ser observado no artigo escrito pela brasileira para a American Folklife Center:

"O esforço que coloquei na construção da coleção ao longo da minha carreira foi muito mais do que um trabalho. Foi um ato de prazer, pois tenho um profundo amor por esse tipo de literatura e por aqueles que a produzem. É um prazer trazer para o American Folklife Center um pouco da cultura brasileira, de uma grande variedade de lugares, neste país enorme chamado Brasil".

Trocas

Datas importantes na história da Biblioteca foram celebradas através da adição de significativos cordeis para a coleção. Em 1997, para comemorar o 30º aniversário do escritório do Rio, o autor Raimundo Santa Helena criou um "chapbook" para homenagear Thomas Jefferson (1743-1826) e a Biblioteca do Congresso. Em 2000, como parte do Bicentenário da Biblioteca, uma coleção de panfletos de cordel e cartazes produzidos por um dos mestres no tema, José Francisco Borges, o J. Borges.

Em 2011, em conjunto com o Simpósio Internacional do Cordel, realizado em Washington, a Biblioteca começou a trabalhar com parceiros no País para padronizar registros bibliográficos. Os parceiros são a Fundação Casa de Rui Barbosa, Academia Brasileira de Literatura de Cordel, Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (ambos os três sediados no Rio de Janeiro) e a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

Atuação

O Escritório da Biblioteca do Congresso Americano (Library of Congress) no Rio de Janeiro é um dos seis escritórios no exterior administrados pela Divisão de Operações no Exterior da Biblioteca do Congresso. Seu acervo inclui publicações de Brasil, Uruguai, Suriname, Guiana e da Guiana Francesa. O objetivo é enriquecer as coleções de pesquisa da Biblioteca do Congresso Americano com o que há de melhor da produção bibliográfica desses países.

O Escritório do Programa Nacional de Catalogação e Aquisição foi inaugurado em 1966 para suprir a Biblioteca do Congresso com publicações brasileiras. As publicações adquiridas incluem livros, jornais, revistas, folhetos, literatura de cordel, CDs, CD-ROMs, DVDs, mapas, cartazes e partituras musicais. Muitas publicações são compradas, porém um pouco mais da metade do total adquirido pelo escritório é proveniente do intercâmbio com cerca de 500 instituições. No último ano foram adquiridas 15.624 peças, provenientes de compra e doação.

Diário do Nordeste

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