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Artista plástica tetraplégica conta como a paixão pelas cores ajuda a superar obstáculos: 'Liberdade'

A tetraplégica desde os oito meses, Daniela Caburro usa a boca para pintar e diz encontrar a liberdade enquanto cria seus quadros. Aos 45 anos, ela já realizou viagens nacionais e internacionais, além de ter seus trabalhos impressos em cartões em mais de seis países. No Dia do Artista Plástico, lembrado nesta segunda-feira (8), ela conta ao G1 como a paixão pelas cores a ajudou a superar os obstáculos da vida.
"A liberdade, hoje, na pintura é de 100%, coisa que eu não tenho na vida real. Se eu precisar dobrar a perna, eu tenho que chamar a mami. Se eu precisar coçar o nariz, eu até dou um jeito, mas se eu precisar coçar, tenho que pedir ajuda. Então na arte eu tenho essa liberdade, é um momento meu", afirmou a artista de São Carlos (SP).

Perda de movimentos

Daniela teve seus movimentos interrompidos após tomar uma vacina ainda bebê. "Em questão de horas foi paralisando as pernas. Minha mãe me levava ao posto de saúde, eles falavam que era normal, que era assim mesmo. Até que chegou uma hora que eu mal conseguia respirar, aí me encaminharam para Ribeirão Preto", relatou.
Desde então a família deu todo o suporte necessário para que ela levasse uma vida confortável. Para isso, Daniela criou habilidades com o que conseguia movimentar e ainda na infância se apaixonou pelas cores.
"Quando eu era pequena, tinha o cabelo bem comprido e não gostava de cortar. Minha mãe queria cortar bem curtinho, só que não queria me contrariar. Foi então que a cabeleireira, amiga da minha mãe, propôs uma troca. Ela falou assim: 'Dani, se você deixar eu cortar seu cabelo, eu te dou uma caixinha de aquarela'. Quando vi as tintas, topei na hora", contou.
 
Daniela Caburro pinta quadros com a boca há mais de 20 anos (Foto: Ana Marin/G1)Daniela Caburro pinta quadros com a boca há mais de 20 anos (Foto: Ana Marin/G1)
 

Adaptação

Desde criança, Daniela já usava a boca para pintar. "Na época de escola, eu fazia algumas coisas de artes com a mão, mas tudo bem pequenininho. Consigo escrever com a mão, só que com a boca a minha letra é melhor e eu sou mais rápida", declarou.
Aos 24 anos, ela ganhou aulas de pintura em um ateliê da cidade e assim desenvolveu ainda mais sua paixão pela arte.
"Eu não tinha recursos para pagar um curso de pintura, foi através de amigos que eu cheguei na Mara Toledo [professora de pintura]. Ela me dava aulas de graça, de presente", disse.
Quando começou a pintar em telas, a artista plástica segurava o pincel diretamente na boca e essa prática estava fazendo com que seus dentes entortassem, além de uma ferida que estava se formando em seu céu da boca.
 
Dispositivo que a artista usa para realizar as pinturas em tela (Foto: Ana Marin/G1)Dispositivo que a artista usa para realizar as pinturas em tela (Foto: Ana Marin/G1)
Dispositivo que a artista usa para realizar as pinturas em tela (Foto: Ana Marin/G1)
"Eu não contei para ninguém sobre a ferida porque iriam falar para eu dar um tempo e eu não queria parar. Eu tinha ganhado o curso e o transporte. Voluntários me levavam até o ateliê que fica do outro lado da cidade, longe da minha casa, não tinha condução adaptada. Eram pessoas que acreditavam. Eu ia dar tempo porque estava ferindo a boca? Que nada, eu tomava analgésico toda hora", lembrou.
Desesperada, Daniela lembra que cogitou tirar seus dentes e colocar uma dentadura, para tentar amenizar a ferida. O problema é que a prótese não dava a firmeza que ela precisava para segurar o pincel com a boca e pintar. "Pedi para Deus, porque eu tinha um sonho e não queria parar", disse.
Uma dentista, colega na turma de pintura, viu o sofrimento da artista plástica e se propôs a ajudá-la. A doutora Fernanda Salomão conversou com a professora do curso e sugeriu criar um dispositivo para que Daniela conseguisse pintar melhor. "Quando a Mara [professora] veio na minha casa me dar a notícia, eu comecei a chorar porque foi uma resposta muito rápida de Deus", contou.
Além da adaptação para os pincéis, Daniela também precisou de um cavalete especial, para que a cadeira de rodas conseguisse encaixar dentro dele, de modo que a artista fique na distância ideal do quadro, que foi desenvolvido por seu tio Mario Zambom. "É uma independência muito boa, porque esse cavalete gira. Antes disso, eu tinha que ficar pedindo para a 'mami' ficar virando o quadro", contou.

Sonhos e oportunidades

Atualmente, Daniela faz parte da Associação dos Pintores com a Boca e os Pés, que conta com mais de 70 artistas. Por meio da associação, ela diz ter realizado grandes sonhos, como ter seus quadros expostos e impressos em vários países, viagens nacionais e internacionais.
"Eu nunca imaginei que a arte fosse me proporcionar o que está me proporcionando hoje. Conhecer pessoas maravilhosas, lugares que eu nunca imaginei. Eu sempre acreditei que algo diferente ia acontecer, mas eu não imaginei que fosse tanto assim", declarou.
Questionada sobre a inspiração para pintar, a artista revela que vem da vida. "Do dia a dia, das coisas que estão ao redor, do movimento, do sorriso de uma criança", contou ela, que já perdeu as contas de quantos quadros pintou ao longo da carreira.
Segundo Daniela, a cada três meses ela consegue terminar três quadros de temas simples. Quando é retrato, o tempo pode ser dobrado. Os valores das obras variam de acordo com o desenho.

Quadros

A primeira obra em tela realizada por Daniela teve como tema a natureza. "Minha mãe ama natureza, então foi ela quem escolheu, foi uma paisagem com pinheiros", disse.
Um de seus quadros, porém, tem um maior significado. "Todos são únicos e especiais, mas tem um que foi o primeiro quadro a me dar oportunidade, através da associação, de ter o reconhecimento no exterior, que é o 'Menina Colhendo Flores', ele foi reproduzido em cartões e calendários em mais de seis países", contou.

* Sob a supervisão de Fabio Rodrigues, do G1 São Carlos e Araraquara.
Do G1

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