Pular para o conteúdo principal

Internet no Ceará completa 25 anos e conecta gerações

sssss
Você só pode se conectar por uma hora durante o dia todo. Em um ponto fixo, usando um computador de mesa, não pode sair do lugar. Ah, só dá para enviar mensagens de texto e eventualmente receber as respostas - desde que os 60 minutos não acabem. Não, nada de fotos, áudios, muito menos vídeos, a velocidade discada não permite. Um cenário assim, hoje, é inimaginável e até perturbador para uma geração que vive imersa em conexões onipresentes - há exatos 25 anos, porém, a internet chegou ao Ceará nesses moldes, o que já representava um avanço para o Estado.
Em 1992, quando muitos dos hiperconectados de hoje ainda nem eram nascidos, foi designada a nove brasileiros a missão de trazer ao País a "revolução" criada nos Estados Unidos. O projeto era da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, mas tinha raízes sólidas no solo nordestino: foram Ceará e Pernambuco os responsáveis por distribuir a novidade a toda a Região. "A primeira mensagem foi mandada a uma faculdade de São Paulo, direto do Departamento de Computação da Universidade Federal do Ceará, depois de uma série de reuniões e treinamentos", relembra o diretor do Instituto UFC Virtual, Mauro Cavalcante Pequeno, um dos integrante da equipe e "Homem da internet" no Estado.
A primeira rede de fibra ótica em uma universidade brasileira também consta no currículo pioneiro do Ceará, que ainda na metade inicial dos anos 1990 ligou órgãos públicos como a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), os Correios e o Banco do Nordeste à internet. "A rede foi ganhando corpo, tomando forma, e, interagindo com o País inteiro. A gente já discutia a expansão", afirma Pequeno. O progresso veio em pouco tempo: em 1995, a conexão foi disponibilizada à população por meio de linhas discadas, um privilégio de poucos.
Conexão
A velocidade do avanço em apenas duas décadas, porém, é incontestável: em 2014, apenas 0,8% dos 36,8 milhões de domicílios conectados à internet no País possuía exclusivamente a conexão discada. Os outros 99%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE), já navegavam nos foguetes da banda larga. "O Brasil é um dos países mais conectados do mundo. É líder em usuários nas redes sociais, principalmente, porque adotou isso muito rapidamente", avalia o diretor do instituto.
De fato, muito além de nascer-crescer-morrer, conectar-se hoje é parte do ciclo vital do brasileiro. Tarefa fácil para quem já vem à luz em meio a smartphones e notebooks, entre os bits e bytes - mas desafiadora aos que só tinham a boca, as cartas manuscritas e, com sorte, um telefone "daqueles de discar com o dedo, sem botão" para se comunicar. "Tenho alguma rejeição, não gosto de internet, dessas tecnologias... Mas não posso ficar pra trás, né? Tenho que aprender pelo menos o básico", rende-se a aposentada Maria Dilma, que aos 67 anos ainda é uma das mais jovens matriculadas num curso para aprender a mexer nos "celulares modernos" - aparelhos responsáveis pela maior parte dos acessos à internet no Brasil, segundo o IBGE.
O básico, entretanto, já abrange uma imensa gama de serviços online: compras e vendas - em 2016, apenas 3,4% dos brasileiros nunca haviam comprado em sites, apontou uma pesquisa da PwC -, pagamentos, aplicativos de mapas, músicas, receitas culinárias, agenda de compromissos, táxis... De ver o horário que o ônibus passa, enviar mensagens, fazer videochamadas e outros tantos que mantêm qualquer pessoa ligada a qualquer lugar do mundo. "Eu tenho amigos em São José dos Campos, em Mariana, no Rio Grande do Norte, no Rio de Janeiro..." Mas nem todos já receberam o abraço do estudante Gustavo Nery, 22, conectado desde a época em que lan houses, espécies de locadoras de acesso à internet, eram comuns em Fortaleza.
"A gente passa muito tempo conversando, é legal acompanhar a vida um do outro. E como eu sei que é um tipo de amizade que dá certo, eu continuo investindo", afirma, relembrando o primeiro encontro com a melhor amiga paulista, após cinco anos de relação à distância. "Era exatamente quem eu conhecia online, mas a gente tava se vendo", diz.
Estranho
O longe-perto proporcionado pelos tempos de internet também é bálsamo para o coração de quem, até um dia desses, não fazia ideia do que era Whatsapp, não conseguia pronunciar a palavra "Skype" e pensava que Wi-Fi era um modelo de celular - vocabulário estrangeiro demais, que começou a habitar cada esquina da comunicação desde que a World Wide Web (WWW) surgiu, em 1997. "A internet, pra mim, é importante demais. É uma bênção poder ligar o vídeo e ver meu filho e meus netos que moram nos Estados Unidos como se eles tivessem aqui. Eu me encanto!", sorri a aposentada Denilsa Oliveira, 57, que, mesmo distante, vê a família crescer por trás da tela, fronteiras quase invisíveis - não fosse a saudade.
O sentimento é compartilhado pela colega Maria José, 67, que encontra na rede mundial os acordes e versos que musicam o passado. "Em 2004, fiz um curso de computador forçada. Faltei chorar, achei que não tinha capacidade. Quando fui, comecei a amar! Hoje eu adoro colocar as músicas antigas no Youtube, como as da Ângela Maria, pra escutar e cantar", declara "dona Mocinha", apaixonada por música e fotografia numa era em que elas navegam muito além das vitrolas e rolos de filmes nas páginas online. (Colaborou Theyse Viana)
Frases
"É uma bênção poder ver meu filho e meus netos que moram nos Estados Unidos como se eles tivessem aqui pertinho"
Denilsa Oliveira. Aposentada

Diário do Nordeste

Comentários