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"A caça ao Snark", o cômico e nonsense que Lewis Carroll criou depois de Alice, ganha nova tradução nacional

por Dellano Rios - Editor de Área
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O Snark, criado por Lewis Carroll e imaginado pelo ilustrador inglês Chris Riddell
Lewis Carroll (1832- 1898) não foi escritor de uma obra só, tampouco de uma única personagem. As aventuras da menina Alice pelo País da Maravilha e do outro lado do espelho se converteram em clássicos, com um público infantil e adulto em permanente renovação. Os dois livros, já em domínio público, contam com dezenas de traduções e, por força de uma edição ou outra, nunca ficam fora de catálogo.
A atenção dada a Alice não é injustificada. O efeito negativo deste reconhecimento de crítica e público (incluindo nesta categoria, escritores das mais variadas linhas) é a sombra que se projeta sobre as demais obras de Lewis Carroll. Não é todo dia, por exemplo, que se vê o lançamento de uma tradução de "A caça aos Snark" (1876).
O poema narrativo é uma das obras mais conhecidas de Carroll - depois de sua "estrela", claro. A primeira publicação aconteceu cinco anos depois de "Através do espelho", segunda e derradeira perambulação de Alice por reinos estranhos.
O eixo da trama está explícito no título do poema. Em resumo, trata-se de uma viagem náutica a um ser fantástico, como aqueles que atravessaram o caminho do herói grego Ulisses e a embarcação do Pequod (a gigantesca cachalote branca Moby Dick). O "Snark" do título é a senha de acesso ao universo nonsense construído pelos versos de Lewis Carroll. "Snark" é a maneira de tratar um bicho, do qual existem muito tipos, alguns com penas, que mordem; outros têm peculiaridades como acordar tarde e ser ambicioso. Sua natureza imprecisa virou um prato cheio para os ilustradores.
A edição recém-lançada pela Record (pelo selo Galera Júnior) faz saltar aos olhos o traço do ilustrador britânico Chris Riddell, cartunista de política do jornal inglês The Observer. A obra valeria já por seus desenhos. Mas a tradução, da poeta carioca Bruna Beber, garante que este não seja o único atrativo do livro. Ela recria os versos de Carroll com atenção ao jovem leitor contemporâneo, reproduzindo um trunfo do original.
Ponto de referência
"Alice no País das Maravilhas" e "Alice através do espelho" têm elementos nonsense. A protagonista destes dois livros, no entanto, faz um movimento pendular, ora embarcando no delírio, ora funcionando como um contraponto. Alice é o ponto de referência do leitor, para mensurar quão desvairada é a ficção tecida por Carroll.
A caçada ao Snark carece deste porto seguro. O capitão dá ordens e se guia por um mapa em branco. Não são menos insólitos seus companheiros de aventura, que embarcam num navio em que é fácil se confundir mastro e leme.
Quem parte de uma descrição pode tomar "A caça ao Snark" por uma obra ilegível. Lewis Carroll, contudo, era um mestre no que fazia e fazia o "nonsense" não algo sem sentido, mas carregado de um além do sentido, como se muitos sentidos embarcassem em um mesmo verso. Não à toa sua poesia, assim como sua prosa, tornaram-se referenciais para um sem número de escritores ("infantis" e "adultos") que se aventuraram pelas águas traiçoeiras do experimentalismo.
Livro
A caça ao Snark
Lewis Carroll
Galera Júnior/ Record
2017, 96 páginas
R$ 44,90

Diário do Nordeste

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