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1º Encontro de culturas, artes e saberes do sertão, em Barbalha, vai discutir as várias faces dos sertões nordestinos

por Iracema Sales - Repórter
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O cineasta Rosemberg Cariry, diretor da Escola de Saberes de Barbalha, que realiza o evento
O sertão não é único. Esse pensamento constitui uma das premissas do 1º Encontro de culturas, artes e saberes do sertão, cuja abertura acontece hoje (12), às 19h, na Escola de Saberes de Barbalha (Esba). O objetivo é discutir as múltiplas faces desse território, que não pode ser compreendido somente na perspectiva geográfica - conforme analisa o diretor da Esba, cineasta Rosemberg Cariry.
Ele partilha essa reflexão no encontro, que prosseguirá até sábado (16). Durante cinco dias, acadêmicos, artistas, mestres da cultura (principais responsáveis pela transmissão de saberes tradicionais), bonequeiras do Crato, xilogravuristas e cordelistas estarão reunidos trocando experiências.
Não se trata de contrapor discursos, avisa Rosemberg, mas de encontrar formas de unir culturas e saberes, no sentido de traduzi-las para a contemporaneidade usando diferentes linguagens artísticas.
Exibições de filmes do projeto Cinema no Interior, realizado em todo o Nordeste, além de mostras de fotografia, cerâmica e xilogravura completam a programação do evento, dividido em conferências e apresentações artísticas.
Os trabalhos que compõem as comunicações científicas apresentadas durante o encontro serão publicados em uma revista de ensaios. A intenção é disponibilizar o material aos próprios estudiosos, assegura Rosemberg Cariry.
Ele não esconde o entusiasmo ao falar sobre os "vários sertões", muitos dos quais não fazem parte da cartografia real, ou seja, ficam apenas no campo simbólico. E esses "sertões imaginários" também serão contemplados nos diálogos, dando nova dinâmica e ressignificações a esse espaço.
Na opinião do cineasta, o sertão vai além do estereótipo de chão rachado, seca, mandacaru, cangaceiro e coronel.
Recursos
O seminário discutirá diversos aspectos "das culturas dos sertões nordestinos", atenta o diretor da Esba, instituição que não tem verba definida para o seu funcionamento e manutenção. Ela conta com apoio da Secretaria da Cultura do Estados (Secult) para a realização de alguns cursos, da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará (Secitec) e parcerias com outras instituições.
Rosemberg reconhece os apoios como fundamentais para a realização do evento, viabilizado a partir da solidariedade dos participantes.
O sertão deve ser analisado como espaço aberto, no qual encontram-se reminiscências de culturas milenares de povos de diferentes etnias, por isso, é "tão rico e tão belo", argumenta Cariry, chamando a atenção para a tradição oral, uma das características das culturas populares. Ao longo do tempo, passa por transformações, incorporando diferentes discursos. Por isso, "deve ser compreendido como algo profundo, que vai além de estereótipos", reitera.
Como numa metamorfose, o sertão assume várias facetas. Passa pelo aspecto subjetivo, que ganha força com a religiosidade, representada pelos santos populares, capazes de atender ao sertanejo nos momentos de aperreio. A ameaça de falta de chuva é um deles, quando se apela a Santa Luzia, São Sebastião e, por fim, São José. Há também a face revolucionária e aberta às inovações, afastando a conotação de ser o lugar do atraso.
Responsável pela nova cartografia do Nordeste, o sertão foi aberto pelo vaqueiro tangendo boiadas, inaugurando, assim, o ciclo da pecuária. Por essas estradas e veredas passaram os índios Kariris, sendo berço de utopias populares, incorporados nos romeiros de Juazeiro do Norte, do padre Cícero, dos beato Antônio Conselheiro e José Lourenço.
São exemplos de possibilidades de transformar o sertão na terra prometida. Mas também sobra espaço para Lampião e seu bando desafiarem as leis estabelecidas num contexto de desigualdade social.
Linguagens
O seminário mostrará, ainda, como essas referências podem ser trabalhadas pelas novas gerações, principalmente, no campo das artes: teatro, fotografia, cinema e artes plásticas. "Serão cinco dias de debates intensos. Todas as noites acontecerão apresentações com artistas da região", informa Rosemberg, destacando o dinamismo de traduzir essas tradições.
A transmissão dos saberes tradicionais aos jovens constitui umas das principais preocupações da instituição, realizada por pessoas da comunidade, geralmente, da terceira idade, que encontram uma nova função. O trabalho é voluntário, admite Rosemberg Cariry, ressaltando a troca de experiências, ao juntar, por exemplo, o repentista de cordel aos cantores de rap.
Ainda segundo o cineasta, o trabalho voluntário realizado pela Esba segue o modelo das experiências populares da comunidade de O Caldeirão, fundada em 1926, no Cariri, pelo beato José Lourenço. A região não deve ser compreendida só como um imenso "caldeirão", mas um lugar de trânsito, servindo como passagem de pessoas do Nordeste todo.
"O Cariri integra uma cultura viva em transformação e alimentada", atesta Rosemberg, que considera oportuna a realização do evento pelo significado positivo, "ao acontecer no momento em que o Brasil se desacredita". Na contramão dessa realidade, o encontro tem como base a coletividade e solidariedade. "Volta a costurar um tecido social que quase foi rompido pela individualismo", pondera ele.
Diálogo
A abertura do evento contará com apresentação da Orquestra Armorial do Cariri e da grupo de música Ancestrália, da Universidade Federal do Cariri (UFCA), regido pelo maestro Weber dos Anjos.
Diretora de intercâmbio da Esba, a socióloga e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) Juraci Maia "entende ser necessária a promoção de diálogos que estabeleçam pontes entre as chamadas culturas tradicionais populares, as artes contemporâneas e os saberes acadêmicos".
É o primeiro encontro dessa natureza realizado pela instituição, fruto de projeto acalentado desde 2008 por Rosemberg Cariri. A inauguração aconteceu em 22 de dezembro do ano.
Quanto ao funcionamento da Esba, Juraci Maia explica que ele é mantido com doações e inscrição em editais da área cultural. "Temos contado com uma rede entusiasmada de colaboradores espontâneos, tanto de indivíduos e grupos quanto empresas da região. Ela foi instalada em momento de grande crise política e financeira e das instituições governamentais ligadas ao campo da cultura. Parecia ser apenas uma utopia. Ao se materializar, tem gente que se admira desse feito, mas isso tem sido possível em face da forte corrente humana formada em torno dela".
A região do Cariri recebe atenção especial de estudiosos e admiradores das artes populares por sua pujança de expressões e emergência de movimentos culturais instigantes, em vários momentos do século passado e na atualidade. Sua história tem muitas entradas, remetendo ao passado e presente, assentada em possibilidades paleontológicas, arqueológicas, etnográficas, religiosas, econômicas e políticas de abordagem.
O Cariri é um dos berços do processo civilizatório sertanejo. Pode ser visto como grande caldeirão das culturas e etnias do Nordeste, de onde certamente provém toda a sua riqueza", pontua.

Programação

Quarta (13)
9h às 10h30
Mesa "Teatro no Cariri: Espaço e Trânsito cultural", com Luís Renato Gomes Moura, Aline Souza (Grupo de Teatro Louco em Cena/URCA), Cacá Araújo (Crato), João Dantas Filho (URCA) e coordenação de Ni de Souza (Esba - Teatro Mateu)
14h às 15h30
Mesa "Culturas Populares: Tradições, Traduções e Vanguardas", com Rosemberg Cariry (Esba), Luiz Carlos Salatiel, Stênio Diniz, Cláudia Rejane Granjeiro (URCA), Roberto Marques (URCA) e coordenação de Luís Carlos Salatiel (Crato)
15h45 às 17h15
Mesa "Histórias, Lendas e Mitos no Cariri". Com Josier Ferreira (URCA/Esba), Daniel Walker (Juazeiro), Sávio Cordeiro (URCA), Antônio José Oliveira (URCA) e coordenação de Antônio de Luna - Sitõe (Esba).
Mais informações:
Abertura do I Encontro de culturas, artes e saberes do sertão. De hoje (12) até sábado (16), na Escola de Saberes de Barbalha (R. Senador Alencar, esquina com Rua dos Cariris, 368 - Centro de Barbalha). Contato: (88) 3532.0382

Diário do Nordeste

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