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Em "Diário de uma volátil", a argentina Agustina Guerrero explora, de maneira muito bem humorada, pequenos dilemas e acontecimentos das mulheres de 30

por Adriana Martins - Editora assistente
A capa pode enganar. A imagem de uma garota simpática, meio moderninha e urbana, e o título "Diário de uma volátil" facilmente levam o leitor a pensar: "ok, mais um desses 'quadrinhos fofinhos' que não se sustentam além de poucos gracejos". Sim, a proposta até se aproxima disso, mas a argentina Agustina Guerrero consegue ir um tanto além, graças ao carisma de sua protagonista.
A tal jovem da capa pode ser eu, você leitora ou qualquer mulher na faixa dos 30 (poucos ou muitos) e dentro do perfil mencionado. Aquela que, na adolescência, ao imaginar a vida umas duas décadas à frente, enxergava família formada, emprego estável e mente relativamente tranquila - se não o combo todo, pelo menos parte dele.
Até a realidade chegar com a porta na sua cara e explicar que a vida não tem roteiro, tampouco fórmula pré-estabelecida. Que há variantes além do esforço pessoal; que nossos próprios desejos, objetivos e entendimentos sobre esta breve passagem pela Terra podem mudar.
Rir de si
Provavelmente ainda estaremos bem confusas aos 30. Com o coração partido ou prestes a partir repetidas vezes; com metas não alcançadas; longe de acertar a equação entre renda e trabalho bacana; insatisfeitas com o corpo (nesse caso, mais por uma obsessão coletiva e patrulhamento da sociedade do que exatamente por um sentimento individual). Enfim, ainda tentando acertar - porém mais cientes de que esse acerto é, na verdade, pura ficção.
A esse balaio de reflexões, Guerrero adiciona doses irresistíveis de humor, responsáveis por levar o livro além do famigerado "classe média sofre" (ou, para ser polêmica, "white people problem" - no fim, quase a mesma coisa).
Sua protagonista tem um trunfo difícil de superar: rir de si mesma, pois é o que resta fazer. Seja nas paixões não correspondidas, na relação com o parceiro (algo que requer tanta dedicação quanto outros projeto na vida), no lidar com os sinais da idade, nas crises profissionais, ela encontra caminhos para deixar as chateações mais leves. De quebra, arranca risos do leitor, não raro até involuntários.
Temas
Não há outra reação, possível, por exemplo, para a imagem de nossa heroína tirando o sutiã por baixo da camisa e girando-o no ar como um laço de vaqueiro, emendando, na sequência, uma cara de alívio enquanto os seios balançam, livres da peça íntima (seria o espartilho do século XXI?).
Ou quando tira onda com as (intermináveis) tarefas domésticas. Quando explora o próprio desejo sexual (sozinha no chuveiro ou em uma tirinha linda junto do parceiro).
Ressaca, menstruação, espinhas, TPM, interação social, amigos, família: nada passa incólume por Guerrero, que conquista não apenas pelo humor, mas pela honestidade ao tratar dos tema - cuidado que garante a suas leitoras se identificarem rapidamente com a personagem.
Tudo isso é elaborado por meio de um traço fluido e cheio de personalidade. Inclusive quando a autora faz brincadeiras engenhosas com elementos gráficos da narrativa - em uma página, por exemplo, pontos de interrogação viram corações; noutra, rabiscos de nuvens negras, desatados, viram corda de pular.
Se deseja um bom resumo antes de mergulhar no livro, vá direto ao fim do primeiro capítulo ("Eu"), onde diz: "Alguns indícios de que estou ficando mais velha: Eu me sinto melhor do que nunca!".

Livro

Diário de uma volátil
Agustina Guerrero
Tradução: Marcelo Barbão
Record
2017, 160 páginas
R$ 39,90

Diário do Nordeste

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