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Em "Minha vida na estrada", Gloria Steinem relata sua atuação pelos direitos civis e das mulheres

por Cristina Fibe - Agência O Globo
Gloria Steinem em diferentes períodos de sua vida: para ela, o ativismo nos EUA hoje, com Trump na presidência, é maior do que nos anos 1960 e 70
A escritora, editora e ativista Gloria Steinem, 83 anos, um dos mais importantes nomes do feminismo, protestou contra a Guerra do Vietnã, nos anos 1960; testemunhou o mais célebre discurso de Martin Luther King, em Washington, em 1963; e participou de manifestações contra a Guerra do Golfo, na década de 1990.
Mas nada disso, ela diz, chega perto da mobilização atual, nos Estados Unidos, contra o presidente republicano eleito em novembro e empossado em janeiro deste ano, Donald Trump.
"Nunca, nunca, nunca na minha vida vi tanto ativismo. Mil vezes mais do que durante a Guerra do Vietnã, do que na luta pelos direitos civis. Hoje a mobilização é enorme", afirma Gloria, que lança agora no Brasil "Minha vida na estrada" (Bertrand Brasil), publicada nos EUA em 2015.
No livro, a autora, nascida em Ohio e radicada em Nova York, defende a importância de viajar na construção de uma visão mais igualitária do mundo e na percepção de que os movimentos são construídos de baixo para cima, "como uma árvore", e não de cima para baixo. Viajar, diz, permite apreciar a diversidade e a importância das histórias individuais. E, embora descreva com detalhes suas aventuras em locais como a Índia, concentra-se em provocar o leitor a explorar o território americano.
"Há muitos prazeres incomparáveis nos Estados Unidos", escreve, "um deles é que os norte-americanos parecem superar qualquer país no quesito esperança (...). É o que faz com que me sinta feliz por voltar para casa".
Cenário
Dois anos após a publicação da obra por lá, porém, o cenário mudou drasticamente. Com a vitória de Trump - que recebeu menos votos do que sua principal concorrente, a democrata Hillary Clinton, mas foi eleito graças à lógica do colégio eleitoral -, uma nação comandada por um líder sem representatividade viu a voz de uma minoria racista ganhar os holofotes, diz.
"A maior parte do país não acredita que uma pessoa seja superior a outra, mas um terço acredita. Estamos representados por esse pedaço do país, graças a um sistema em que um estado tem muito mais poder do que o outro", critica.
"Agora, os EUA estão numa situação muito perigosa. Mas não sei se o perigo deveria acabar com a esperança. Não conseguiremos derrotar o colégio eleitoral, mas talvez consigamos tirar o presidente".
Para a escritora, se há um lado positivo na eleição de Trump, é o fato de ter despertado parte da população para a "profundidade do racismo" que ainda há nos EUA. Ela conta que, no passado, quando viajava pelo país e voltava a Nova York alertando sobre a existência, em vários estados, de radicais de direita que tentavam estabelecer a chamada "nação branca", "as pessoas mal podiam acreditar".
"Agora, elas acreditam", enfatiza, em entrevista, por telefone, dias depois dos protestos (e contraprotestos) em Virgínia organizados por grupos extremistas que defendem a separação étnica. "Não preciso te explicar o quão perigoso é o presidente, como indivíduo, ser não só um racista, uma pessoa que semeia a discórdia, um homem de negócios que já seria rico se apenas investisse o dinheiro que herdou, mas também um narcisista que claramente não tolera críticas.
Feminisnmo
A luta de Gloria contra o racismo acompanhou sua batalha pelos direitos das mulheres. No livro, ela conta que foi na Marcha sobre Washington, em 1963, que se deu conta da ausência feminina e dos "motivos racistas para controlar o corpo das mulheres".
Lá, escreve, percebeu "os paralelos entre raça e casta", e como o corpo das mulheres era usado para perpetuar as duas coisas. Prisões diferentes, a mesma chave". Ela passou, então, a viajar pelo país discursando por direitos civis - em especial, das mulheres.
Hoje, diz que a maior causa do feminismo é o combate à violência doméstica e ao feminicídio. "Estatisticamente, desde o 11 de Setembro (de 2001), mais mulheres foram assassinadas por seus maridos e namorados do que americanos morreram nos ataques às torres e em duas guerras no Iraque e no Afeganistão, então obviamente a violência doméstica é uma prioridade alta", defende Gloria.
"Sabemos que a violência doméstica está no mundo todo, as Nações Unidas podem nos dizer isso, da violência do feminicídio à violência sexual, e pela primeira vez há menos mulheres do que homens no mundo".
A autora, que fundou a revista feminista "Ms.", em 1972, e a editou por 15 anos, afirma ainda que as redes sociais podem ajudar as mulheres a buscar informações e apoio, mas não significam realmente uma mudança. "Há também uma parte grande do mundo em que as mulheres não sabem ler, não há internet, nem eletricidade".
Para todas essas, a luta por direitos tão básicos quanto a liberdade reprodutiva - decidir se quer ou não ter filhos - continua. Gloria se despede com um abraço e uma saudação: "Espero que possamos ajudar uma a outra, de alguma forma".
Livro
Minha vida na estrada
Gloria Steinem
Bertrand Brasil
2017, 392 páginas
R$ 49,90

Diário do Nordeste

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