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PODE EJACULAR NO ÔNIBUS, CONSTRANGIMENTO NÃO HÁ

Grecianny Carvalho Cordeiro*

Um fato bizarro tomou conta dos noticiários essa semana: o caso do homem que esfregou o pênis em uma mulher e ejaculou em cima dela, dentro de um ônibus, em São Paulo.
            O motorista do ônibus parou o coletivo, ordenou que os passageiros e a vítima descessem. O homem permaneceu detido até a chegada da polícia, que o levou para a delegacia para a formalização do procedimento policial.
             Quando na audiência de custódia, o homem foi solto, entendendo o magistrado que a prisão não se justificava porque “não houve constrangimento à vítima”.
            Dias depois, o mesmo homem – com enorme histórico de crimes sexuais - foi novamente preso, pelo mesmo fato.
            Questões jurídicas à parte, se a conduta do homem consistiu em crime de estupro ou não, a postura do magistrado que decidiu pela sua soltura nos mostra como as instâncias jurídicas lidam com a violência contra a mulher.
            Imaginemos e visualizemos mentalmente a cena:
            Uma mulher, como tantas outras trabalhadoras brasileiras, acorda cedo e apanha um ônibus para ir para o trabalho. O coletivo está lotado, mesmo assim, ela consegue se sentar. Um homem se aproxima, nela se encosta, esfrega o pênis em seu ombro, coloca-o para fora da calça e ejacula em cima dela.
            Indignação. Revolta.
            O homem é preso em flagrante. Na audiência de custódia – aquela em que o magistrado decidirá se decreta ou não a prisão preventiva – o homem é solto e sai livre, lépido e fagueiro.
            O juiz entende que não ficou configurado o crime de estupro porque não houve ameaça ou violência física, tampouco houve constrangimento para a vítima.
            Por que?
            Por que se masturbar, colocar o pênis para fora da calça e ejacular, em cima de uma mulher, no interior de um coletivo, é a coisa mais normal do mundo?
            Por que quando uma mulher está sentada em um ônibus ou em qualquer lugar, ela deve ser abusada sexualmente, das formas mais variadas possíveis?
            Por que a um homem é dado o direito de se masturbar e ejacular em cima de qualquer mulher que deseje, no momento e no local em que bem decidir?
            Isso é postura a ser premiada com a liberdade?
            Como se pode compreender que uma mulher que passou por essa situação não sofreu nenhum constrangimento?
            Se isso não é constrangimento, o que seria constrangimento na visão desse magistrado?
            São decisões assim que refletem a forma como a mulher é vista e tratada em nossa sociedade, em que ao homem é dado o direito de fazer o que bem entender contra a mulher, nos coletivos, nos trens, nos cinemas, nas ruas, no trabalho.
            São decisões assim que fazem com que muitos homens pensem ter o direito de se masturbar e ejacular em cima das mulheres, de violentá-las física, moral e psicologicamente.
            São decisões assim que incentivam o Brasil a continuar sendo o sétimo país no mundo com o maior índice de violência contra a mulher.
            São decisões assim que nos deixarão com o registro atual de 70% de mulheres vítimas de violência física e/ou sexual.
            São decisões assim que fazem com que a cada hora, 503 mulheres sejam vítimas de agressão física no Brasil.
            São decisões assim que nos envergonham e nos indignam.


*Promotora de Justiça


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