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Quando uma pessoa pobre vier até você, pergunte o nome dela

Entrevista com o Grande Hospitaleiro da Ordem Soberana de Malta

“Tente e doe a si mesmo. Se você conseguir encontrar um equilíbrio entre dar e receber, você levará sua vida a um nível muito mais alto”, diz Dominique Prince de La Rochefoucauld-Montbel.
Konrad Sawicki: Quem é o Grão Hospitalário da Ordem de Malta?
Dominique de La Rochefoucauld-Montbel: Historicamente, a Ordem dos Cavaleiros do Hospital de São João de Jerusalém desde o início empregou uma pessoa encarregada de um hospital, hospício ou hospedagem de peregrinos. Seu trabalho era cuidar de peregrinos e pessoas doentes e oferecer-lhes hospitalidade.
Esta mesma função está perfeitamente alinhada com o chamado principal da Ordem de Malta, isto é, fornecer hospitalidade e acompanhar os necessitados.
Isso não mudou até agora. Cada estrutura local da Ordem em todo o mundo tem seu hospitalário, que é responsável por atividades sociais e médicas. A posição do Grão Hospitalário da Ordem, membro do governo da Ordem, traduz-se em termos contemporâneos como um Ministro da Saúde.
O que a Ordem de Malta faz hoje?
Nossas atividades não podem ser resumidas em algumas frases. No entanto, devemos indicar que a Ordem está atualmente envolvida em cerca de 2.000 projetos em pelo menos 120 países em todo o mundo. Há cerca de 100 mil voluntários trabalhando para nós e mais de 25 mil funcionários permanentes. Estes são apenas números, mas eles demonstram a escala de nossas operações.
Estamos falando aqui de atividades como, por exemplo, administração de hospitais, bem como casas para idosos e pessoas com deficiência. Podemos, além disso, apontar o nosso trabalho social em favor de desabrigados e refugiados e atividades educacionais, envolvendo administração de escolas. Na África, por exemplo, a Ordem participa de campanhas abrangentes de combate à AIDS, tuberculose, malária e lepra.
Estamos presentes na Polônia, também [o Grão Hospitaleiro concedeu esta entrevista à edição polonesa da Aleteia, N. do T.]. Nós temos nossas casas e projetos, fornecendo, por exemplo, serviços de assistência e de resgate médico. Durante o chamado Maidan, na vizinha Ucrânia, transferimos muitas vítimas para tratamento na Polônia.
Eu me lembro do projeto; foi amplamente coberto pelos meios de comunicação poloneses. Isso me faz lembrar de outro exemplo da presença significativa da Ordem na Polônia: durante a Segunda Guerra Mundial, houve um hospital maltês na capital da Polônia, que desempenhou um papel especialmente significativo durante a revolta de Varsóvia de 1944.
Correto, isso é verdade. Há algum tempo visitei a região italiana de Trento, onde tivemos um hospital com duzentos leitos durante a Segunda Guerra Mundial. É assim que servimos.
Quando visitei pela última vez a Polônia, tive o prazer de participar de uma solene celebração de oferecimento de um ambulatório para um grupo de resgate. Esta é a missão da nossa Ordem.
Como se pode tornar um Cavaleiro da Ordem de Malta hoje?
Eu responderei que isto é serviço, serviço e, mais uma vez, serviço. Se você realmente deseja servir, você tem a chance de se tornar um membro desta organização única. Nós administramos hospitais na África e participamos de reuniões da ONU. Eu mesmo falei na ONU sobre a questão da migração.
Em outras palavras, quando você serve como, por exemplo, um voluntário da nossa Ordem, passo a passo você estará se tornando um membro da família. Quando você entra nesta família, você quer participar mais e mais. Tudo, então, começa com o serviço, com o trabalho voluntário. Mais tarde, um dia, embora este não seja o caminho a que cada pessoa é chamada, você percebe que gostaria de se comprometer ainda mais com essa vocação. Também no nível pessoal, familiar e profissional. Sua fé é de primeira importância aqui: você vive sua fé e a desenvolve no serviço em favor do outro ser humano.
Vemos Cristo nos doentes e no sofrimento. Nós o vemos nos refugiados. O Evangelho diz: “Eu estava com fome, e você me deu de comer; Eu estava com sede, e você me deu de beber”… Esta é a essência de um membro da Ordem de Malta.
Se você anseia por essa forma de vida, você pode entrar na nossa formação e se tornar um membro da Ordem. Este caminho significa que você está envolvido em atividades pelo bem da Igreja e presta assistência aos doentes e aos indigentes. Tudo isso deve ser feito com muita oração diária.
E do ponto de vista espiritual?
Isso se assemelha um pouco a viajar de trem: às vezes você viaja na primeira classe, outras vezes na segunda ou na terceira classe, o que corresponde ao um nível de conforto decrescente. No entanto, para os Cavaleiros de Malta, a ordem é invertida, quanto mais perto você chegar da primeira classe, menos conforto você terá e mais serviço precisará oferecer.
A adesão à Ordem de Malta significa que você faz parte de uma organização católica. Isso significa que você deve viver uma vida de fé católica o melhor que puder. Por exemplo, a primeira etapa da formação leva 18 meses e envolve um voto especial de obediência. Então, você é encarregado de tarefas espirituais adicionais, como orações do Breviário etc.
Ainda assim, o serviço aos outros será sempre o fator mais importante. Isso não envolve assistência simples aos necessitados. Quando você vê o Cristo sofredor nessas pessoas, sua atividade atinge um nível diferente e se torna uma questão espiritual. Desta forma, você aceita outro ser humano de forma integral.
Se não estou errado, esta é uma vocação para os leigos e suas famílias.
É verdade, mas, na Ordem de Malta, também temos religiosos, aqueles que fizeram votos de obediência, pobreza e castidade. Este foi um caminho do nosso ministério desde o início no século 11. Agora um quarto voto foi adicionado, que nenhuma outra Ordem compartilha conosco: um voto de serviço em favor dos doentes e dos pobres.
Isso, aliás, demonstra o que se espera de um membro da Ordem. Seguir o caminho da vocação significa que você precisa ser um testemunho através do serviço. Não existe outro voto religioso assim. Você se compromete em servir os doentes e os pobres até a morte.
Posso ver que os membros da Ordem usam crachás especiais nas lapelas de seus casacos.
Verdade. O tipo de emblema que você usa depende da classe em que você embarca, para usar o exemplo da viagem de trem. Quanto maior a classe, menos há no distintivo. Por exemplo, quando você muda para a segunda classe, você perde uma pequena coroa em seu distintivo. Isso também fala muito sobre a nossa vocação: aqui invertemos a hierarquia das posses terrestres.
A Ordem de Malta sempre esteve tão perto da Igreja institucional?
Durante 900 anos, fomos uma instituição da Igreja, reconhecida pela Santa Sé em 1113. Nos séculos seguintes, a Ordem passou a ser reconhecida como um estado independente ou um quase Estado. Hoje podemos dizer que somos uma instituição reconhecida pelo direito internacional e, como tal, temos alguns atributos de um Estado. Poucas pessoas sabem que a Ordem de Malta é reconhecida e mantém relações oficiais com 106 Estados em todo o mundo. Temos nossos próprios embaixadores e representantes em organizações internacionais como a ONU, a OMS, a Cruz Vermelha, a FAO etc.
Ao mesmo tempo, continuamos sendo uma instituição religiosa dentro da Igreja. É por isso que o chefe da Ordem é seu superior religioso e soberano. Seu status é semelhante ao de um abade ou mestre da Ordem. Isto é semelhante ao Vaticano e ao Papa, que é o chefe de um Estado e um superior religioso.
Falando sobre o superior da Ordem de Malta, devemos mencionar os problemas que vocês enfrentaram recentemente. O ex-Grão Mestre da Ordem teve de renunciar.
Isso é verdade. Em todos os 900 anos do histórico da Ordem, este é apenas o terceiro caso. Estávamos lidando com uma grande crise. Naquele momento, tive a chance de falar duas vezes com o Papa Francisco.
Atualmente, somos liderados por um superior temporário, eleito por um período de um ano, e durante este tempo estamos redobrando nossos esforços para reconstruir a confiança e reformar a Ordem.
Hoje, centenas de cavaleiros estão envolvidos no processo de uma reforma profunda, comparável um pouco à reforma conciliar. Ao mesmo tempo, estamos nos preparando para eleger um novo Grão Mestre.
Qual seria a mensagem do Grão Hospitalário da Ordem de Malta aos leitores da Aleteia, especialmente para os jovens?
Isso não é fácil. Talvez eu indique que se esforçar e exigir de si é algo muito importante na vida de qualquer pessoa. Isso pode ser difícil, porém, o esforço se frutifica e se transforma em mais qualidade de vida. Sua alegria de vida é imensamente maior.
Portanto, eu gostaria de incentivar os jovens a evitar de serem egoístas, e a que procurem entender os outros. É importante poder ouvir outras pessoas e observar os necessitados. Você não precisa distribuir dinheiro na rua todos os dias, mas pelo menos não vire o rosto. Se uma pessoa pobre vier até você, não desvie a atenção, mas cumprimente-a e pergunte-lhe qual é o nome dela. Se você quiser que os outros prestem atenção em você, você mesmo precisa prestar atenção naquilo que os outros precisam.
Outra coisa: não fique só pedindo e não espere receber tudo. Doe a si mesmo. Se você conseguir encontrar um equilíbrio entre dar e receber, você conduzirá sua vida a um nível muito mais alto.
*Grão Hospitalário da Soberana Ordem de Malta, Sua Eminência Dominique Prince de La Rochefoucauld-Montbel.
Esta entrevista foi realizada no Hotel Bellotto, em Varsóvia.
O texto foi publicado na edição polonesa da Aleteia neste link.

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