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Destaque da temporada, "Três Anúncios Para Um Crime" costura violência contra a mulher, racismo e impunidade

Frances McDormand e Sam Rockwell em cena de "Três Anúncios Para Um Crime", e um dos outdoors do longa, que cobram do delegado a solução do crime
Racismo, violência contra a mulher e o ódio às instituições perpassam as quase duas horas de "Três Anúncios Para Um Crime" (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri), com data prevista de estreia para 15 de fevereiro. No drama, passado na cidade fictícia de Ebbing, no estado do Missouri, Mildred Hayes (Frances McDormand) perde sua filha em um ataque violento e brutal.
Passados seis meses sem resolução para o crime, Mildred resolve expor a polícia local, ao comprar três outdoors à beira de uma estrada nos limites da cidade, com mensagens que cobram (novamente) das autoridades policiais a investigação do caso. O alvo principal é o delegado Willoughby (Woody Harrelson).
O que mais se destaca no longa é a força de Mildred, e isso explica Frances McDormand ter sido indicada e ganhado vários prêmios pela atuação, em diversos festivais. A carga emocional passada pela atriz é sobrenatural. Além de perder a filha em um assassinato brutal, ainda sofre com a possibilidade desse assassino estar à solta.
Angela Hayes (Kathryn Newton), a filha de Mildred, foi estuprada e queimada. Uma cena difícil de imaginar, mas cujo nível de bestialidade fica implícito na atuação do outro filho, Robbie Hayes (Lucas Hedges), que escolhe um caminho que muitos também poderiam escolher: o de tentar esquecer.
Mas essa não é uma opção para Mildred. Após ver tanta impunidade, desiludida com as instituições - entre elas a igreja e a polícia - ela não quer consolo, quer justiça. Nessa busca, muitas vezes acaba passando dos limites.
Mas quem a acusaria nesta situação? Em algum momento podemos nos perguntar se tudo aquilo é realmente necessário, mas basta lembrar as motivações de mãe para dizer: Não pare. Vá em frente.
Temas sociais
"Três Anúncios Para Um Crime" aproxima-se muito de algumas realidades marcadas pela violência contra a mulher e a impunidade - nos EUA, no Brasil e, infelizmente, em tantos outros países. Publicado em 2017, o relatório "Onde Mora a Impunidade?" revela que 80% dos crimes de homicídio nos estados (Pará, Espírito Santo, Rondônia, São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul - únicos que forneceram dados sobre crimes resolvidos) não são solucionados pelo poder público.
Nesse período de Trump presidente, quando o pensamento da chamada supremacia branca perdeu possíveis pudores em se expor, o tema racismo é outro abordado no filme. Nesse sentido, o longa sofreu críticas negativas - entre elas a de explorar o assunto de maneira superficial, no contexto de uma cidade rural dos Estados Unidos.
O policial Dixon (Sam Rockwell) é conhecido por ter espancado um homem negro na prisão e demonstra um preconceito quase infantil, explicado em uma cena sua com a própria mãe.
A redenção do personagem não satisfez alguns críticos, apontada como uma redenção perpassada em meios a "homens brancos". Mesmo com todas as críticas, porém, é inevitável reconhecer o arco dramático de Dixon como um dos melhores do filme.
Violências sofridas
Mildred vê-se o tempo todo reprovada e julgada por sua atitude. Tratada como "louca" e até acusada de ser péssima mãe, passa de vítima a culpada após suas atitudes. Não surpreendentemente, é vista assim em especial por alguns homens da trama.
Numa das cenas mais fortes, é ameaçada por um homem que fala que gostaria de ter feito o que aconteceu a sua filha. A família desestabilizada da protagonista pode servir de desculpa para algum machista desavisado, fazendo-o entrar na velha história de que a vítima procurou por aquilo.
O roteiro ganha o público aí. Não importa que roupa Angela Hayes estava usando. Não importa se sua família era problemática. Uma adolescente foi morta de forma brutal e ninguém conseguiu prender seu assassino.
Consagração
O longa passou pelo Festival de Veneza e levou o prêmio Osella de Ouro de melhor roteiro. No Festival Internacional de Cinema de Toronto, em 2017, foi sagrado melhor filme e chega como um dos favoritos ao Oscar 2018.
Sua arrecadação já soma mais de 74 milhões de dólares, contra um orçamento de 12 milhões. No Globo de Ouro, além de Melhor Filme, levou o prêmio de Melhor Atriz (Frances McDormand) e Melhor Ator Coadjuvante (Sam Rockwell). O diretor e roteirista Martin McDonagh garantiu também o prêmio de melhor roteiro original.
As chances de "Três Anúncios Para Um Crime" levar o Oscar vão além das boas atuações, do roteiro e da direção. O momento que Hollywood vive atualmente também conta para o resultado. A campanha "Time's Up" (O Tempo Acabou), é um movimento feito por mulheres da indústria cinematográfica norte-americana contra o assédio e pode, sim, influenciar na escolha.

Diário do Nordeste

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