Pular para o conteúdo principal

Escritor traduz 36 textos ficcionais breves de Kafka

por Dellano Rios - Editor de área
Image-0-Artigo-2360818-1
Desde 1995, a obra de Franz Kafka (1883 - 1924) se encontra em domínio público no Brasil. Isso ajuda a explicar, em parte, a grande quantidade de edições de obras do autor no País. Contudo, ainda que as editoras e os tradutores variem (assim como a qualidade das versões em português publicadas), costuma-se insistir nos mesmos títulos.
O problema não é tanto a redundância, mas as lacunas existentes. Afinal, Kafka é um dos grandes nomes da literatura do século passado. Sua influência e importância se estendem não apenas sobre as gerações seguintes de escritores (os de língua alemã, como ele, mas também os do Ocidente como um todo), como de filósofos. O alemão Günther Anders e a dupla Gilles Deleuze e Félix Guattari, para citar dois casos famosos, produziram monografias sobre o autor. A despeito dos muitos testemunhos acerca dos mértios do tcheco, continuamos sem ter, disponível no mercado brasileiro, a totalidade de suas narrativas breves. Também não dispomos de uma coleção de suas obras completas, sequer de sua ficção integral.
Neste cenário, livros como "Blumfeld, um solteirão de mais idade e Outras histórias" ganham um valor adicional. Lançado, no mês passado, pela Civilização Brasileira, o volume foi organizado pelo escritor Marcelo Brackes, que traduziu direto do alemão 36 histórias curtas de Kafka. Algumas delas, permaneciam inéditas em português.
Brackes organizou um coletânea que se propõe uma unidade. O tradutor escolheu as histórias segundo uma tese, explicitada no posfácio: "Kafka é sempre o mesmo". "Não importa sequer o gênero: em romances, contos, diários e cartas, Kafka é sempre o mesmo, marcado pelas mesmas vicissitudes, ausência de perspectivas e impossibilidade de se adequar ao mundo".
Estranhamento
É este estranhamento, a desnaturalização de cada mínimo ser, elemento e situação que têm contato com seus narradores, que torna Kafka tão sedutor para os filósofos. "O passageiro" (1913), por exemplo, se resolve em três parágrafos. Descreve a angústia de um sujeito, parado numa plataforma de trem, que se apresenta "completamente inseguro no que diz respeito à minha posição neste mundo". A presença de uma menina, que ele percebe quando o trem já se aproxima, é o suficiente para um quase colapso do narrador, uma implosão que supera a desconcertante tensão inicial.
O conto, aliás, dá conta de uma recorrência que Brackes aponta nas tramas kafkianas. Seus personagens estão cientes da existência do perigo (que, na maioria das vezes, não conseguem imaginar o que o represente) e não poucas vezes são engolidos por ele. O mundo, contudo, para piorar a condição desesperada do narrador, ou não percebe ou percebe e não se importa com o infortúnio que se abate sobre aquela pessoa.
São estranhas, em especial, algumas histórias que se assemelham a parábolas ou lendas de significado hermético. "O abutre" (1920) mostra um homem cujos pés são atacados pela ave. Ele fica entregue ao animal, até que um interlocutor se oferece para matar o abutre a tiros de espingarda. Mesmo quando se encerra, a história deixa a angustia das questões irremediavelmente abertas pelo autor.
Histórias
A classificação, conforme o gênero literário, é um problema complexo, que promete fazer o leitor não especializado tropeçar sob as próprias pernas e, o que é pior, acabar se aborrecendo com o livro aberto diante de si.
"Histórias" é uma saída esperta, para dar conta de contos, um drama ("O guarda da cripta", de 1916-1917, único do gênero escrito por Kafka e, até agora, inédito no Brasil) e de narrativas de uma página ou menos, imprecisas em sua natureza, como fragmentos para um texto não finalizado ou entradas de um diário.

arte
Diário do Nordeste

Comentários