Artista múltiplo, assim como seu pensamento, aos poucos, a produção literária do poeta, jornalista, ator, cineasta, produtor, agitador cultural e um dos idealizadores da Tropicália, Torquato Neto (1944-1972) começa a emergir. Com o olhar voltado às novas gerações e, sobretudo, em sua poesia, que considerava “a mãe de todas as artes”, o escritor Cláudio Portella passou em revista a obra do “poeta por essência”, natural do Piauí, morto aos 28 anos, por vontade própria. O resultado da pesquisa são 103 textos, alguns em forma de canções, que integram o livro “Melhores Poemas: Torquato Neto”, cujo lançamento acontece nesta sexta (9), no Cinema do Dragão, após a exibição do documentário “Todas as horas do fim”.
O longa documentário, dos diretores Eduardo Ades e Marcus Fernando, que estreou nacionalmente quinta (8), marca os 45 anos de morte do artista. O autor falará sobre a vida e a obra de Torquato Neto, centrando a análise na sua poesia. No dia 28, a obra será lançada no Rio de Janeiro, na Livraria Travessa, em Ipanema. “O livro ficou pronto na mesma época do filme. É uma coincidência salutar”, assinala Portella. Em texto sensível, disseca a poética de Torquato Neto, procurando trazer à tona sua produção literária.
“Em Torquato, a criação nasce do registro da manifestação. Toda e qualquer manifestação”, escreve, lembrando de seus textos na coluna Geleia Geral. “Todo poeta é crítico. Fazer poesia é uma manifestação crítica. Ele criticava a percepção do mundo”, sentencia, destacando seu lado contestador, guerrilheiro e de afrontar.
A elaboração do livro, que foca na produção poética do autor de “Geleia Geral”, música-manifesto do movimento Tropicália, começou em 1999. Mas houve uma pausa, ficando pronto apenas no ano passado. Um dos motivos, Ana Maria Duarte, viúva de Torquato Neto, não autorizava a publicação pela Editora Global. Após sua morte, em 2016, Tiago, filho único do casal, autorizou a obra. Em formato “pocket”, o livro de 200 páginas foi editado pela Global. “ Ele era essencialmente poeta. Tudo o que fazia convergia para a poesia”, afirma Portella, destacando a elaboração dos seus versos. Torquato Neto era jornalista, especializado em música.
O autor, que teve acesso a toda obra de Torquato Neto, explica que a seleção só deixou de fora os poemas da fase da adolescência. “Ele escreveu bem mais”, conta, justificando que suas canções eram verdadeiros poemas, enfatizando o esmero no processo de elaboração. O livro, que tem edição também digital, foge do enfoque da sua vida pessoal, seguindo orientação da própria editora. Assim, a obra se destaca pelo grande número de poemas publicados, um dos seus méritos.
“Melhores Poemas: Torquato Neto” é o 17º livro de Portella, que ainda tem parentesco com o poeta piauiense. A admiração começou pela poética-musical, vindo depois o contato com as outras escritas, a exemplo dos poemas e das matérias jornalísticas. Cita a coluna Geleia Geral, que assinou de agosto de 1971 a março de 1972, no jornal carioca “Última Hora”. Foi quando voltou de Londres, para onde viajou com o amigo Hélio Oiticica, fugindo da mão pesada da ditadura militar (1964-1985).
A situação ficou ainda mais difícil para Torquato Neto, após a publicação do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968. Antes, escreveu para o Jornal dos Sports, a coluna Música Popular”, de março a setembro de 1967. Era o auge da MPB, apogeu dos festivais, época que antecedeu a Tropicália.
Portella abre o livro com uma análise acerca da narrativa poética de Torquato Neto, vindo em seguida os 103 poemas, cronologia biográfica, e depoimentos de amigos e parceiros do artista, entre outros, Gilberto Gil, Ivan Cardoso, Décio Pignatari. Para entender um pouco mais sobre a sua escrita, é preciso localizar o autor no tempo histórico. Construiu sua obra entre os pacatos anos 1950, e a conturbada década de 1960. “Ele era jornalista”, enfatiza Portella, que reproduz no livro alguns trechos da coluna Geleia Geral, que foram escritos em forma de poesia.
O bilhete incisivo: “Pra mim, chega” foi a última ação antes de se trancar no banheiro e ligar o gás, após comemorar o aniversário com os amigos e a companheira, Ana Maria, com quem se casou em 1966.
Filme
O longa documentário “Todas as horas do fim” estreou no 19º Festival de Cinema do Rio de Janeiro, e foi apresentado também na 41ª Mostra Internacional de Cinema São Paulo. A intenção dos diretores é transportar uma reflexão para a sétima arte, daí o desafio em montar o longa-metragem cujo foco é a vida e obra Torquato Neto. O título foi tirado do poema “Cogito”, no qual expressava a maneira particular de ver a condição humana: “Eu sou como eu sou/ pronome pessoal intransferível/ do homem que iniciei/ na medida do impossível/ (…) e vivo tranquilamente todas as horas do fim.
E é justamente essa face dos vários “Torquatos”, que conviviam dentro daquele ser franzino, aparentemente frágil, que sublimava na arte – música, poesia ou no cinema – suas angústias, que os autores procuravam. O processo de elaboração do filme durou quase cinco anos. Nesse período, vasculharam seu acervo pessoal, conversaram com pessoas que conviveram com ele, viajaram pelas cidades nas quais morou, desde a terra natal, Teresina, até o exílio em Londres. Eles queriam refazer as pegadas deixadas pelo poeta, que sabia mesclar à escrita sensibilidade, sarcasmo e indignação. Usando as suas palavras “destoava o coro dos contentes”.
Serviço:
Lançamento do livro “Melhores Poemas -Torquato Neto”, de Cláudio Portella (Editora Global, 200 páginas, R$ 32,00 ), nesta sexta (9), no Cinema do Dragão (Rua Dragão do Mar, 81, Praia de Iracema), após a sessão do filme “Todas as horas do fim”, às 19h30. Ingressos: R$ 12,00 (inteira) e R$ 6,00 (meia) Fone: (85) 3488 8600
Diário do Nordeste
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