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Aumenta acesso de pessoas com deficiência à universidade no CE

por Vanessa Madeira - Repórter
Aluna do mestrado acadêmico em Assistência Social da Uece, Mariana Hora, deficiente auditiva, enfrenta a falta de intérpretes de libras na Universidade ( FOTO: JL ROSA )
Estudante de Psicologia na UFC, Wanderlane Rodrigues, que tem deficiência visual, ingressou na UFC pelo sistema de cotas ( FOTO: SAULO ROBERTO )
Há pouco mais de 10 anos, antes que a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e a Lei Brasileira de Inclusão, marcos históricos na garantia de direitos a pessoas com deficiência, fossem implementadas, as perspectivas educacionais a longo prazo para pessoas com deficiência no País eram desoladoras. Se o acesso à Educação Básica já era desafiador, as chances de chegar à universidade eram quase remotas para homens e mulheres com restrições visuais, auditivas, cognitivas ou motoras.
Embora, desde a efetivação de ambas as leis (em 2008 e 2015, respectivamente), a educação inclusiva exista mais na teoria do que na prática, o ingresso no Ensino Superior se tornou realidade para milhares de brasileiros com diferentes tipos de deficiência. No Ceará, esse processo deve se consolidar a partir desse ano, com a implantação d de cotas para pessoas com necessidades educacionais especiais nas universidades públicas.
Pela primeira vez, instituições de ensino federais reservaram 50% das vagas para candidatos negros, pardos, indígenas e com deficiência na seleção de novos alunos. Na Universidade Federal do Ceará (UFC), principal universidade a adotar o sistema, pelo menos 212 pessoas com deficiência ingressaram na graduação por meio das cotas em 2018. O número, divulgado pela Secretaria de Acessibilidade UFC Inclui, já é mais que o dobro do registrado nos anos anteriores (80, em média) e ainda pode aumentar, à medida que forem comprovadas as deficiências dos demais aprovados.
Na Universidade Estadual do Ceará (Uece), o sistema de cotas, sancionado pelo Governo do Estado em janeiro de 2017, deve ter início no primeiro semestre de 2019. Com isso, 3% das vagas serão destinadas a pessoas com deficiência. A expectativa é que, com a ampliação da oferta, o número de estudantes com necessidades educacionais especiais dê um salto. De um total de 18 mil alunos de graduação matriculados atualmente, só 35 são deficientes.
Conquistas
"Há 10, 15 anos, ninguém falava de pessoas com deficiência na universidade. A luta é muito grande, mas já podemos festejar algumas conquistas, ainda que tímidas", destaca Adriana Limaverde, professora da Faculdade de Educação da UFC e pesquisadora da área de Educação Inclusiva no Ceará.
Hoje com 29 anos de idade, o estudante David Sousa de Almeida, que possui deficiência cognitiva e motora, só iniciou a vida escolar aos 17. Quando a maior parte dos estudantes se preparava para concluir o último ano do Ensino Médio, ele começava o primeiro do Fundamental. Durante toda a infância e grande parte da adolescência, David se deparou com instituições de ensino que se recusaram a aceitá-lo como aluno. Chegar ao Ensino Superior era sonho distante. "Como eu iria para uma educação superior sem ter cursado a Educação Básica, se as escolas não me aceitavam? Só depois descobri que era um direito", afirma.
Após concluir os estudos, foi aprovado em 2014 para o curso de Pedagogia no vestibular da Uece, participando do processo seletivo regular. David lembra que, embora a educação seja direito universal, a adoção do sistema de cotas deve possibilitar que mais pessoas com deficiência tenham acesso à universidade. "Vai dar mais oportunidade para essas pessoas aparecerem, porque, ao longo da história, elas sempre ficaram às margens", acrescenta.
Dificuldades
No entanto, David, assim como os demais universitários cearenses com deficiência, ao ingressarem nas instituições de Ensino Superior, descobrem uma nova barreira para a inclusão: a carência de recursos e estruturas de acessibilidade.
Wanderlane Rodrigues, de 22 anos, é uma das estudantes aprovadas neste ano por meio do sistema de cotas da UFC. Aluna com deficiência visual do curso de Psicologia, ela afirma que conseguir materiais didáticos digitalizados, para que possa utilizar aplicativos e programas de leitura, tem sido uma dificuldade desde o início das aulas. Em parte, pela falta de iniciativa de professores e gráficas em disponibilizar o conteúdo adaptado.
"Tem também a questão de identificar salas e banheiros. Até para quem enxerga um pouco, é complicado, porque não tem letras grandes, em alto relevo ou braile, se possível. São duas coisas que até agora não foram resolvidas", afirma.
Estudantes com deficiência auditiva enfrentam a falta de tradutores-intérpretes de Libras. A aluna do mestrado acadêmico em Assistência Social da Uece, Mariana Hora, afirma que, no início do ano, chegou a perder aulas pois não havia profissionais capacitados para fazer o trabalho de tradução. Sem o apoio, acompanhar o conteúdo se tornou inviável. A universidade, então, promoveu uma solução paliativa: a contratação de um tradutor temporário.
Soluções
"A coordenação do Mestrado conseguiu uma profissional que começou a prestar o serviço na semana passada. Porém, com poucos recursos disponíveis, ela não está sendo remunerada adequadamente. E é, ainda, uma situação provisória e parcial", conta a estudante.
No caso de David Souza, que utiliza cadeira de rodas, a ausência de rampas na instituição impedem a acessibilidade. O estudante conta a colaboração de colegas e docentes, que se disponibilizam a trocar de salas quando as disciplinas são ministradas em pavimentos superiores. "Queria que isso melhorasse não só por mim. O que fizeram foi remediar, mas, na verdade, eu queria ter acesso a tudo", diz.

Ações esbarram em falta de verbas

Embora tenham ampliado o acesso de pessoas com deficiência ao Ensino Superior, universidades públicas ainda precisam se preparar para o desafio de receber uma nova e acrescida demanda de estudantes com necessidades educacionais especiais. Parte das ações de acessibilidade, entretanto, esbarra na falta de recursos públicos.
"Algumas ações não precisam de dinheiro, mas para muita outras, por atender a dimensão física da acessibilidade, como a instalação de elevadores e a construção de plataformas e rampas, sentimos muita dificuldade. Especialmente com os corte de verbas para as universidades públicas", afirma a titular da Secretaria de Acessibilidade UFC Inclui, Vanda Leitão.
Segundo a gestora, a Secretaria tem dado suporte às demandas de alunos com deficiência no que se refere a estruturas e recursos de acessibilidade, além de acompanhamento pedagógico. Para os professores, a Universidade promove atividades de formação com foco na Educação Inclusiva. Uma das ações prometidas para os próximos anos é a implantação de núcleos de acessibilidade nas bibliotecas de todos os campi da UFC, inclusive no Interior do Estado.
"Esses núcleos vão fazer atendimentos para os estudantes e assumir a produção de materiais acessíveis, em especial para os alunos com deficiência visual", explica Vanda Leitão. Na Uece, conforme o reitor Jackson Sampaio, desde 2014 há uma Comissão Permanente de Acessibilidade, que recebe as demandas de estudantes com deficiência e dá encaminhamentos. Hoje, as soluções viabilizadas pela instituição são pontuais, em resposta às solicitações específicas de cada aluno. Atualmente, duas plataformas elevatórias e um elevador estão em processo de aquisição e instalação. Outras obras, voltadas para os campi Itaperi e Fátima, estão em fase de orçamento e devem ter início tão logo os valores sejam autorizados.
Sistêmica
O reitor destaca que um dos projetos prioritários da instituição apresentados ao Governo do Estado é a implantação de um programa de acessibilidade que funcionará de forma sistêmica. No entanto, segundo Sampaio, em virtude da crise financeira que afetou o País nos últimos anos, a proposta aguarda disponibilização de recursos. "Nossa expectativa é que agora, com a lei de cotas, possamos ter recursos para esse projeto", diz.

Diário do Nordeste

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