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Philip Roth, um gigante da literatura que não venceu o Nobel

O escritor Philip Roth durante entrevista em março de 1993 (Foto: Arquivo / AP Photo )
O escritor Philip Roth durante entrevista em março de 1993 (Foto: Arquivo / AP Photo )
Philip Roth, um dos gigantes da literatura americana do século XX, faleceu na terça-feira aos 85 anos, seis anos depois de ter anunciado a aposentadoria e sem ter vencido o Nobel.
Depois de mais de meio século de uma carreira que o tornou famoso em todo o mundo, em 2012 o autor anunciou que não tinha "mais nada para escrever" e que não tinha energia para administrar a frustração que acompanha a criação literária.
Uma decisão que voltou a explicar em agosto de 2017 ao jornal francês "Libération": "Contar histórias, isto que foi tão precioso durante toda minha existência, já não é o centro da minha vida", explicou. "É estranho. Nunca imaginei que algo assim poderia acontecer".
"Nêmesis", publicado em 2010, foi o último romance publicado pelo escritor, que vivia entre seu apartamento no Upper East Side de Nova York e uma casa em Connecticut.
Roth foi reconhecido com múltiplos prêmios: o Pulitzer em 1998 por "Pastoral Americana", o National Book Award em 1960 por "Adeus, Columbus" e em 1995 por "O Teatro de Sabbath", além do Príncipe das Astúrias de Letras em 2012. Também foi citado durante muitos anos entre os nomes cotados para vencer o Nobel.
Neto de imigrantes judeus do leste da Europa, nascido em Nova Jersey, perto de Nova York, Roth escreveu 31 romances.
Seus relatos provocadores sobre a moral pequeno burguesa judaico-americana, sátiras políticas, reflexões sobre o peso da história, ou mais recentemente sobre o envelhecimento, ficam com frequência na fronteira entre a autobiografia e a ficção.
Seu texto exigente e sua lucidez implacável ocupam um lugar único na literatura americana da segunda metade do século XX, sendo o único escritor vivo cuja obra foi publicada pela prestigiosa coleção Library of America.
- Primeiros livros, primeiros mal-entendidos -
Nascido em Newark em 19 de março de 1933, filho de um corretor de seguros, tinha apenas 26 anos e era professor de Literatura Inglesa quando publicou sua primeira obra, "Adeus, Columbus". O livro de relatos fez sucesso, e um rabino criticou o autor por, na sua opinião, apresentar uma visão deformada dos valores fundamentais do judaísmo.
Roth se tornou um autor conhecido por todos em 1969 com "O Complexo de Portnoy", que gerou grande polêmica. No livro, o jovem protagonista aborda sem qualquer reserva com seu psicanalista a sua obsessão pela masturbação e o relacionamento com a mãe possessiva, os Estados Unidos e o judaísmo.
A obra rendeu fama mundial ao escritor, mas representantes da comunidade judaica consideraram que o romance estava impregnado de antissemitismo. Outros enxergaram pura e simplesmente pornografia.
"Fico feliz de escrever sobre sexo. Um tema extenso! Mas a maioria das coisas que conto em meus livros nunca aconteceram. No entanto, são necessários alguns elementos de realidade para começar a inventar", disse anos depois.
No fim dos anos 1970, influenciado entre outros pelo autor americano Saul Bellow, Roth iniciou uma série de nove livros nos quais o protagonista era um jovem romancista judeu, Nathan Zuckerman, geralmente considerado seu alter ego.
Entre os livros da série estão três de seus maiores sucessos: "Pastoral Americana" (1997), sobre os estragos da guerra do Vietnã na consciência nacional; "Casei com um Comunista"(1998), sobre o macartismo; e "A Marca Humana" (2000), que denuncia um país puritano e voltado para sim mesmo.
Philip Roth também é conhecido por "Os Fatos" (1988), uma autobiografia de seus 36 primeiros anos de vida, iniciada após uma depressão.
- A frustração de escrever -
Em "Complô contra a América" (2004), imaginou o destino de uma família de judeus americanos, se os Estados Unidos tivessem passado para o lado de Hitler em 1940.
O romance estabelece uma história alternativa do país, na qual imagina que Franklin D. Roosevelt foi derrotado na eleição de 1940 por Charles Lindbergh, um aviador com inclinações pró-nazismo.
Roth é autor ainda de "Operação Shylock" (1993), no qual o narrador tem o nome Philip Roth, mas na realidade é apenas um homônimo do escritor.
A velhice e a morte marcaram suas obras mais recentes, como "Fantasma sai de Cena" (2007) e "A Humilhação" (2009).
"Escrevo ficção e me dizem que é autobiografia. Escrevo autobiografia e me dizem que é ficção. Então, como sou tão bobo e eles tão espertos, deixem que eles decidam o que é e o que não é", afirmou.
Pouco afeito a entrevistas, Roth explicou em 2012, no entanto, por que parou de escrever.
"Não tenho mais energia suficiente para suportar a frustração. A escrita é frustração, uma frustração cotidiana, para não dizer humilhação", declarou ao "New York Times".
"Não posso mais enfrentar os dias em que escrevo cinco páginas e jogo fora", completou Roth, que escrevia de pé desde que percebeu que andar de um lado para o outro liberava sua mente.
* AFP

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