por Daniel de Mesquita Benevides - Folhapress
Talvez seja bom subir numa amendoeira para fumar um charuto. Fazer isso carregando uma mala já é mais estranho. Desaparecer depois, sem deixar rastro, por sua vez, é uma obra de arte - e um caso de polícia.
Em se tratando de Beatriz Yagoda, uma excêntrica escritora brasileira, a arte sempre fala mais alto, mas o aspecto mundano não é desprezível, como logo irá descobrir sua tradutora para o inglês, a americana Emma Neufeld.
Assim que sabe do sumiço, abandona o namorado em Pittsburgh à beira do casamento e voa para Copacabana. Sua esperança é resolver o mistério com eventuais pistas deixadas pela escritora em seus textos.
Mas o que seria uma investigação intelectual esbarra na faca de Flamenguinho, vigarista que cobra uma vultosa dívida de jogo da autora desaparecida.
"A Arte de Desaparecer" é o primeiro romance de Idra Novey. A narrativa é visual, os capítulos são curtos e o tom é suavemente cômico, ainda que o ritmo e a trama tenham o pulso de um thriller. Aqui e ali, surgem trechos de um diário que mais parecem verbetes de dicionário. Este recurso proporciona alguns dos melhores momentos do livro: breves poemas em prosa, dialogam com a situação íntima da protagonista Emma.
Pontas soltas
Não à toa Novey é poeta e tradutora. O fato de ter traduzido "A Paixão Segundo G.H." tampouco parece coincidência, já que Beatriz Yagoda guarda alguns traços biográficos de Clarice Lispector.
O apego microscópico pelas palavras em português, transposto nos diários de Emma (de resto, típica mulher "clariciana", no limite de uma ruptura com seu mundo, ou com o mundo inteiro), também lhe serviu para verter os versos de Manoel de Barros e Paulo Henriques Britto.
Mas os elogios da imprensa americana ao romance não se justificam. Como thriller, não proporciona ganchos suficientes que agarrem o leitor e deixa pontas soltas. E como ficção literária, à exceção de alguns bons insights sobre tradução, fica demais na superfície - não há riscos, a autora deixa-se levar pela correnteza, quase em modo automático.
Arestas
O esquema de comédia de erros, pontuado por uma alternância de registros (as notícias, os diários, os e-mails), é um pouco desajeitado. Os trechos em que emula a Rádio Globo são sofríveis.
As cenas de ação parecem exercício primário de um curso sobre Dashiell Hammett (os clichês de beco escuro e orelha cortada que o digam), e as de sexo remetem a alguma série de TV simpática e insossa.
Outro problema é a visão ingênua e inconscientemente preconceituosa do Brasil. Há referências insistentes ao fedor nos lugares, e a certa altura uma personagem dispara o exagero: "Metade do Rio de Janeiro tem uma arma na jaqueta". Não é muito, mas o suficiente para fazer ruído.
Diário do Nordeste
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