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QUANDO O MUITO É POUCO

Grecianny Carvalho Cordeiro*

No país das desigualdades possíveis e inimagináveis, nada tão desigual quanto o sistema judiciário brasileiro.
De acordo com diagnóstico de pessoas presas, feito pelo CNJ (2017), somos o terceiro país com a maior população carcerária do mundo, incluindo aqueles em prisão domiciliar.
Pelos dados do Infopen (junho/2016), 64% dos presos são negros; 40% são presos provisórios; 51% possuem o ensino fundamental incompleto; os crimes de roubo, de furto e de tráfico são os de maior percentual.
De uma análise perfunctória, o perfil dos aprisionados é claro.
No Brasil, uma pessoa que furta um celular, um veículo, por exemplo, se presa em flagrante, ficará um bom tempo encarcerado e, ao final do processo, quando será fatalmente condenada, terá contra si aplicada uma pena de prisão que varia de 01 (um) a 04 (quatro) anos, no caso de furto simples, e de 02 (dois) a 04 (quatro) anos em caso de furto qualificado (pelo rompimento de obstáculo, pelo concurso de pessoas, etc).
Por outro lado, uma pessoa que desvia milhões e milhões dos cofres públicos (destinados à saúde, à educação), mesmo que flagrada com malas de dinheiro, com escutas telefônicas, com farta prova documental e testemunhal, dificilmente será presa em flagrante. E se o for, será imediatamente solta. O processo transcorrerá por anos e o réu poderá ser condenado (se não ocorrer a prescrição). Se confirmada a sentença e segundo grau, ainda assim, não será presa. E se eventualmente o for, o STF se encarregará de soltá-la.
Para os furtos cometidos por ilustres desconhecidos, a pena será sempre aplicada e cumprida, em cárceres superlotados, em condições precárias de higiene e de alimentação.
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Para os desvios milionários aos cofres públicos, cometidos por notáveis políticos e agentes públicos, a pena até será aplicada, mas dificilmente será cumprida, e se o for, será por um breve espaço de tempo, sendo assegurado ao preso alimentação vinda dos melhores restaurantes, salas de TV e visitas.
Para o STF, em seus julgados recentes, por meio dos quais concede alvará de soltura a notáveis políticos e agentes públicos, privilegiando-os com a liberdade, mesmo que condenados, mesmo que contumazes criminosos, mesmo que permaneçam usando de sua influência para continuarem cometendo crimes, nada disso é motivo suficiente para mantê-los encarcerados, isto porque, na sua visão míope, o muito que se desvia dos cofres públicos sempre é muito pouco.

*Promotora de Justiça

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