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Editoras independentes injetam fôlego novo na produção e consumo literário do País

por Diego Barbosa - Repórter
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Historicamente ligado à década de 1970, o movimento conhecido como Geração Mimeógrafo fomentou práticas que até hoje ecoam no mercado editorial brasileiro. A forma artesanal na qual os impressos eram concebidos, o número reduzido de cópias fabricadas – destinadas a um público seleto – e a liberdade temática presente no conceito de cada obra assinada: tudo isso ainda norteia o trabalho de editores e autores do campo literário.
Projetos capitaneados por editoras independentes talvez sejam o exemplo mais nítido da ressignificação dessa “escola”. Contudo, sob outro espectro: se, antes, o que ditava os rumos do movimento era, em parte, a dificuldade de inserção do material escrito em grandes editoras, num país sob ditadura, hoje há perspectivas que dialogam com outras variáveis.
Nesse sentido, entram em foco, por exemplo, um maior esmero no processo de concepção gráfica de cada exemplar publicado e a oportunidade de dar vez a autores e autoras que desejam ingressar no mercado do livro ou que talvez, se não por essa via, nunca seriam lidos por um público maior.
Daniel Perroni Ratto é um desses cujo pensamento reside na vontade de fazer ressoar aquilo de mais original produzido por uma turma nova, que está trilhando os primeiros dados no segmento. Jornalista e escritor nascido em São Paulo, ele passou a infância e os primeiros anos da fase adulta no Ceará, em um ambiente cercado de arte – nomes como Fagner, Rodger Rogério e Fausto Nilo, por exemplo, poderiam ser facilmente vistos atravessando os cômodos de sua casa quando ele era criança, ao passo que, quando jovem, conviveu de perto com Rodrigo Amarante, Fernando Catatau e Leco Jucá.
Talvez por esse motivo, tenha retornado à sua terra natal carregado de inspiração e empenho em fazer valer o que absorveu desse tempo de aprendizado. Reunindo talento e bagagem cultural, ingressou, então, no ramo de publicação independente, lançando, no ano 2000, seu primeiro livro, “Urbanas Poesias”, pela Editora Fiúza.
Daí em diante, não parou mais – vieram “Marte mora em São Paulo” (2012), “Marmotas, amores e dois drinks flamejantes” (2014) e “Vozmecê” (2016). Sua mais recente empreitada não difere desse universo. Pelo contrário, reforça-o a partir de outra perspectiva. É a Editora Algaroba, da qual é idealizador e editor há um ano, dividindo os trabalhos com Ciro F. Barreto. Mirando no modo independente que consagrou Perroni enquanto artista, a empresa carrega particularidades que estão vindo a somar no mercado editorial.
Resistência
Daniel conta que o processo de abertura da editora veio de uma influência especial. “Decidi entrar nesse ramo porque fui incentivado pelo Eduardo Lacerda, da Editora Patuá. Quando o conheci, há seis anos, fiquei muito mais por dentro do mercado literário independente e da guerrilha que esse ramo empreende”, relembra.
“Ingressamos nele, então, para ser mais um ponto de resistência. Por isso o nome ‘Algaroba’ para a nossa editora”, explica, afirmando que a designação é a mesma de uma árvore do sertão nordestino que, mesmo na seca mais protuberante, segue firme, gerando sombra e frutos. “Nossa proposta é atuar com firmeza nesse cenário árido que é a literatura no Brasil”.
Nessa intenção, o esforço da casa é prover publicações nos mais diversos gêneros – incluindo poesia, romance, contos e crônicas –, com especial foco sobre a qualidade gráfica com que serão disponibilizadas. De acordo com o editor, o livro também é arte e precisa expressar isso da forma mais inteligente e inventiva possível, a começar pelo modo como ele chegará às mãos dos leitores.
“Aqui, é tudo feito com muito esmero. Primeiramente, a gente seleciona e lê todos os originais. A partir dessa curadoria, definimos no que vamos investir, nesse primeiro momento. Aí passamos para a editoração. Nossa diagramação é diferente, buscamos fontes modernas e investimos em ilustrações compostas em aquarela e óleo, por exemplo. Essa parte quem assume é uma artista plástica nossa, a Mariana Dorin, o que não impede de termos outros ilustradores parceiros”, detalha. Todo esse processo é feito de forma gratuita, bem como revisão, registros, impressão e venda.</CS>
A energia investida, de acordo com Perroni, é justificada. “Eu costumo falar que a literatura é o campo cultural mais marginal de todos. Você tem mais visibilidade na música, no teatro, no cinema, na dança, e a literatura vem mais lá embaixo. E, dentro do campo, a poesia é o ramo literário ainda mais marginal. Eu entrei com esse intuito, então, de dar voz aos novos talentos, à galera que tá aí cheia de coisa boa pra mostrar pro Brasil e pro mundo e não tem espaço. Não penso em ganhar dinheiro – obviamente, eu gosto disso, mas pagando a minha cervejinha, já tá suficiente”, brinca.
Planos
Efetivamente atuando no lançamento de livros a partir de fevereiro deste ano, a Algaroba possui, no catálogo, o livro “Sobre amor, morte e moscas” – obra de poesia assinada por Mariana Lancellotti – e “Mythos Nerval”, do poeta, escritor e ensaísta Mateus Melo Machado. Quanto às tiragens, o editor calcula que cada livro ganhe de 50 a 200 impressões, disponibilizados para venda principalmente através de eventos de lançamento dos materiais e pela loja online da editora.</CS>
Para o futuro, a casa está com planos de lançar o livro de Mariana Dorin e já recebeu um original do escritor cearense Antônio LaCarne. “Estamos indo devagar, mas, dentro de nosso Plano de Negócios, pretendemos terminar o segundo ano com cinco lançamentos por mês. A gente banca todos os livros, por isso os processos são diferentes. Tenho 20 anos de literatura, então tenho minha curadoria pra poder publicar o pessoal que eu acho que vale a pena investir”, esclarece Daniel.
Além disso, há a intenção de, em breve, o negócio abrir uma livraria/café própria, voltada para a comercialização somente de obras de editoras independentes. “Temos a intenção que vire um lugar de escoar a literatura e de movimentar o aspecto social dessa arte. As editoras independentes fomentam e formam novos leitores. Trata-se de uma rede, e o que tenho visto é que todas se ajudam para alavancar o cenário”, opina.

Diário do Nordeste

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