por João Carlos Teixeira Gomes
Foto: Arquivo pessoal
A pedra perdida
Para Cássia Lopes
Era uma pedra perdida,
de duro calcário espesso.
Era uma pedra in natura.
Não era vidro, nem gesso.
No chão crestado jazia,
alheia às paixões do mundo:
argila da eternidade,
crosta do tempo infecundo.
Cauteloso, examinei-a
tomando-a na mão discreta:
- É algo que somente existe
em sua essência incompleta.
Corra o tempo fugido
e há-de ser sempre o que é:
forma pura que se basta
sem se dar conta nem fé,
massa vã que se empareda
num rude universo tosco,
presa dos próprios limites
contidos no brilho fosco.
Não pensa, não quer, não sonha.
Nada sabe nem aspira.
Mas eu, que choro e que tenho
um coração que delira,
que sinto o vibrar da cólera
e do fervor mais profundo,
eu logo serei fumaça
dissolvida além do mundo,
matéria desativada
ou pó de humana carcaça
– mas a pedra reinará
na glória turva do nada.
Daqui a mais alguns anos
(que depressa hão-de passar)
já serei fumo esvaído
– mas a pedra há-de restar.
E assim ficará, invicta,
sem desejos nem remorsos,
pairando com soberbia
no que sobrar dos meus ossos.
Com raiva, num puro assomo,
tomei a pedra na mão
e lanceia-a ao mar profundo:
nada buliu na manhã
nem a paz nimbou o mundo.
Pois à muda natureza
são coisas que não consomem
a dureza de uma pedra
e os sentimentos de um homem.
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Para Cássia Lopes
Era uma pedra perdida,
de duro calcário espesso.
Era uma pedra in natura.
Não era vidro, nem gesso.
No chão crestado jazia,
alheia às paixões do mundo:
argila da eternidade,
crosta do tempo infecundo.
Cauteloso, examinei-a
tomando-a na mão discreta:
- É algo que somente existe
em sua essência incompleta.
Corra o tempo fugido
e há-de ser sempre o que é:
forma pura que se basta
sem se dar conta nem fé,
massa vã que se empareda
num rude universo tosco,
presa dos próprios limites
contidos no brilho fosco.
Não pensa, não quer, não sonha.
Nada sabe nem aspira.
Mas eu, que choro e que tenho
um coração que delira,
que sinto o vibrar da cólera
e do fervor mais profundo,
eu logo serei fumaça
dissolvida além do mundo,
matéria desativada
ou pó de humana carcaça
– mas a pedra reinará
na glória turva do nada.
Daqui a mais alguns anos
(que depressa hão-de passar)
já serei fumo esvaído
– mas a pedra há-de restar.
E assim ficará, invicta,
sem desejos nem remorsos,
pairando com soberbia
no que sobrar dos meus ossos.
Com raiva, num puro assomo,
tomei a pedra na mão
e lanceia-a ao mar profundo:
nada buliu na manhã
nem a paz nimbou o mundo.
Pois à muda natureza
são coisas que não consomem
a dureza de uma pedra
e os sentimentos de um homem.
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Cantiga
No bojo das densas
No bojo das frias
Que mortes vejo serenas
Que vidas vejo sombrias?
Concebi meus dias plenos
Como um legado de usuras
Urdindo fados amenos
Por sobre mágoas futuras.
Deixa o tempo passageiro
Uma colheita inconclusa
Como o destino ligeiro
Na vida breve e confusa.
No fundo das coisas idas
Fulge o mistério que arde
Quais sensações diluídas
Nos filtros breves da tarde.
Montado nos meus aprumos
Mago dos ventos serei,
paladino dos meus rumos
E do meu destino, rei.
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Soneto a Florisvaldo Mattos
Poeta dos agrários sentimentos
que em tuba e lira o teu cantar levantas
e tendo o dom de cavalgar os ventos
levas tão longe o que mesmo plantas,
és lavrador dos rudes elementos
que com teu verbo pastoral encantas
e os tardos bois, passando nos armentos, mugem na terra que em estro cantas
Na tuba, celebraste heróis antigos,
Na lira a luz da vida que se solta,
o “jazz”, os vinhos raros, os bons amigos
das fainas pastoris os utensílios
e os bens que semeaste tens de volta
no amor de Vera e na afeição dos filhos.
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De Chirico capturando o tempo
Para Ângelo Roberto
Saúdo-te, De Chirico
– o mago do momento primeiro –
ardiloso feiticeiro
que imobilizou o tempo
e que nele veio.
Desta façanha sobreveio
a supressão da morte
– a morte, que é o tempo em progressão.
Com palheta mágica
em sublevação
lograste o que nem os deuses conseguiram: imobilizar o tempo em tuas ágoras vazias povoadas por manequins
insondáveis como o enigma.
O tempo, ser esférico,
não resiste ao assédio
das quadraturas,
dos ângulos retos, das rudes esquinas.
De Chirico, com um gesto de tintas
congela o tempo
em desatino
e celebra do homem mortal
nas solitárias praças
o imponderável destino.
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Ante o mar
Ávido do sol ponte,
me planto na extensão do rude cais
a ver o mar que sonha à minha frente
– tão longo como é longo o nunca mais.
As ondas me propõem ecos de um tempo
em que me desavim nas travessias,
porque nauta já fui, ao leu dos ventos,
premido entre tufões e calmarias.
E assim também me lanço pela vida
num jogo de fortunas alternadas,
buscando a dúbia presumida
entre coisas presentes e passadas.
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Alma e argila
Não te constranja o céu indiferente
que do tempo inconcluso te espreita,
porque é aquém do céu que esplende o sonho
da carne em glória no mundo evanescente.
No céu já te aguarda outra colheita.
Fonte: Bahia Notícias
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