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Por meio do audiovisual, juventude indígena no Ceará experimenta novas formas de aproximação

por Roberta Souza - Repórter
índia
A jovem Emille está matriculada na primeira Escola de Cinema Indígena do Ceará, cujas aulas iniciaram no fim de semana passado e seguem até 2020 ( Foto: Kid Júnior )
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Natan também é da aldeia Jenipapo-Kanindé e também fará parte da primeira Escola de Cinema Indígena do Ceará ( Foto: Kid Júnior )
Emille tem apenas 12 anos e, como boa parte dos pré-adolescentes, é muito tímida com quem não conhece. Conceder entrevista para um jornal e posar para fotos não é nem de longe uma atividade que a deixa à vontade. Ela gosta mesmo é de segurar a câmera, e, se possível, estar do outro lado da lente. A postura do amigo, Natan, de 14 anos, é a mesma. Ambos da etnia Jenipapo-Kanindé, eles conversaram com a reportagem na última quinta (2), por ocasião da aula inaugural da Escola de Cinema Indígena (Ecindij), em Aquiraz, a primeira do Ceará, mas o desejo dos jovens era apenas cobrir um grande evento como esse, quem sabe em outras comunidades.
"Eu gosto de fotografar pessoas. Tenho muitos amigos em outras aldeias e a gente sempre troca ideia de fotografia", comenta Emille entre as suas imagens presentes na exposição "Nas aldeias: o cotidiano sob o olhar da juventude indígena no Ceará". Desde as mostras de cinema que aconteceram na Lagoa da Encantada, em 2015 e 2017, que ela se sentiu atraída pela formação em audiovisual. E agora, com a consolidação da Escola, ela vê uma oportunidade de se profissionalizar.
"Quero ser fotógrafa no futuro", vislumbra. E para isso tratou de garantir logo a matrícula nas aulas que acontecerão quinzenalmente até 2020. Emille quer muito viajar, descobrir outras comunidades indígenas pelo Brasil e até mesmo fora do país, visto que responde com brilho nos olhos e um "yes!" na ponta da língua.
Natan, por sua vez, não tem "grandes ambições" com a fotografia. Registrar os rostos pintados de seus amigos e familiares é o que mais lhe satisfaz. O jovem acredita que as fotos e vídeos facilitam a comunicação com outras aldeias. "Me sinto mais próximo deles", afirma o jovem. Ele observa ainda que os Jenipapo-Kanindé já conseguem divulgar mais suas atividades, fato que atribui a esse trabalho que voluntários vêm realizando na comunidade há cerca de uma década.
Diálogos
Das 14 etnias indígenas presentes no Ceará, quatro tiveram uma oportunidade recente de participar de uma formação de cineastas coordenada por Henrique Dídimo, também responsável pela Ecindij. Os povos Jenipapo-Kanindé, Pitaguary, Tapeba e Kanindé de Aratuba foram os contemplados com o projeto apoiado pela Secretaria de Cultura do Estado (Secult-CE), e que resultou na produção de vídeo-cartas que eles endereçaram de uns para os outros.
"Tudo veio dessa cabeça aqui", conta a Cacique Pequena. "Quando eles estavam só aqui (na Lagoa da Encantada) tudo animadinho, como um bocado de pinto comendo farinha seca, eu lembrei, me veio na mente, que têm várias aldeias que a gente necessita fazer parte. Aí falei pra pessoa do projeto: tem como você esticar esse elástico mais um pouquinho lá pra serra? Porque se esticasse mais o elástico era melhor. Ele riu, mas um belo dia, me disse que daria certo", lembra a liderança dos Jenipapo-Kanindé.
Na aula inaugural da Ecindij, os Tapebas iam exibir a vídeo-carta produzida para os anfitriões. "No material, nós contamos um pouco da história de coisas encantadas em nosso povo. Filmamos o Terreiro Sagrado de Pau Branco, onde acontecem as festas, e a Pedreira, um local de lazer", descreveu Alef Bento da Costa Cunha, de 24 anos. "Qualquer meio de comunicação a longa distância aproxima demais se a gente souber utilizar a nosso favor, e não contra a gente", destacou o Tapeba, que também espera poder abrir uma Escola de Audiovisual em sua comunidade futuramente.
Os anseios dessa juventude são uma preocupação para Henrique e sua equipe de facilitadores. "A gente tá também buscando essas narrativas contemporâneas. Quem é essa juventude? Quais são esses desafios de hoje? Estar no mundo urbano, estar na aldeia, receber um monte de informação que vai chegando por TV, Youtube", enfatiza.
A Cacique Pequena reforça a ideia. "Nós não somos mais aquele povo intocado no meio da mata. Já vivemos misturado com a sociedade, por dentro das políticas públicas. É bom para esses jovens que eles comecem a trabalhar com a mente, e fiquem bem formados, por dentro de tudo que eles têm vontade. Pondo em prática o que aprenderem, vão simbora, viram o mundo", projeta a líder.
Diário do Nordeste

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