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Redes sociais são território de intercâmbio e de valorização da leitura

por Diego Barbosa - Repórter
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De acordo com dados da pesquisa Retratos da Leitura - cuja última edição é data de 2015 pelo Instituto Pró-Livro -, o Brasil contava cerca de 104,7 milhões de leitores. Desse total, 60% usavam a internet frequentemente, para acessar redes sociais e usar aplicativos, usufruindo de canais, páginas e assinaturas digitais literárias para ampliar o repertório de obras e histórias conferidas.
Há três anos, o advogado Pedro Pacífico, de São Paulo, começou a fazer parte desse time quando começou a seguir perfis literários no Instagram. Sentado em um dos espaços da 25ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo - feira que visitou pela primeira vez neste ano -, ele conta que sempre gostou de ler, embora nunca tenha sido ávido por consumir uma quantidade enorme de livros.
"Apesar de nunca ter sido aquele leitor louco, que lia muitas obras, eu sempre fui de ter um livro na cabeceira. Quando comecei a seguir alguns perfis literários no Instagram, passei a conhecer um mundo à parte, que nem sabia que existia na internet", confessa Pedro. "Antes eu não sabia muito o que ler, ficava meio perdido, quase sempre recorrendo à lista de best-sellers para guiar a leitura. Seguindo esses perfis, a coisa mudou de figura".
O advogado comenta que um dos primeiros preconceitos que quebrou foi o da leitura de clássicos, sendo diretamente influenciado por aqueles que estavam por trás das publicações nas redes para imergir nesse segmento específico. "Aos poucos, percebi que estava perdendo muito por não ler esses livros, a ponto de começar a gostar muito de literatura russa, por exemplo, até chegar a autores contemporâneos que eu nunca tinha ouvido falar, de diferentes países".
Foi exatamente compreendendo a dinâmica de atuação dessas mídias que ele criou o Book.Ster - batizado assim devido ao sentido do sufixo "-ster" que, em inglês, refere-se a pessoas que integram um grupo, como hipster ou gângster (neste caso, fica algo como "comunidade de leitores"). A iniciativa é um perfil no Instagram que, até o fechamento desta edição, contabiliza 69 mil seguidores, número alcançado após pouco mais de um ano de postagens.
O trabalho de Pedro consiste em publicar, na página, resenhas dos livros que está lendo, com uma importante ressalva: "Não fiz Letras e nem sou um crítico literário, apenas um leigo que conseguiu amadurecer e melhorar muito enquanto leitor por acompanhar perfis literários nas redes". "Meu objetivo com o Book.Ster é mostrar às pessoas que, apesar do cotidiano corrido, é possível adquirir um hábito saudável e frequente de leitura", conta.
Feedback
Além de estar presente no Instagram, o Book.Ster também possui um site em que Pedro Pacífico replica os textos postados na fanpage, aumentando o raio de alcance da leitura para usuários que, eventualmente, não possuam conta na rede social.
As resenhas possuem uma nota, atribuída conforme a experiência pessoal que o advogado teve com determinado livro. "No início, eu tinha medo de prejudicar algum escritor ou editora caso a nota fosse baixa, mas pensei bastante nisso e, no fim, continuei com o sistema, deixando claro que a nota é totalmente subjetiva. Não é uma crítica nem uma análise da obra", esclarece.
O feedback devido ao trabalho tem rendido boas experiências para Pedro Pacífico. Além de imergir no universo literário através da participação em importantes eventos do País dedicados a contemplar a seara - este também foi o primeiro ano que ele participou da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) -, ele diz que o retorno que recebe dos seguidores auxilia no desejo de fomentar ainda mais o hábito da leitura.
Ele recebe retorno de seguidores, que dizem ter passado a ler diariamente, seguindo o princípio que sempre divulga: ler ao menos três páginas por dia. "Assim, não dá para você perder o fio da meada da história. Além disso, o fato de terem uma orientação para iniciar determinada leitura também é visto como um ponto positivo do perfil".
Já como a experiência de passar do estágio de simples leitor a influenciador digital auxiliou na forma pessoal de consumir literatura, o advogado declara: "Mudou muito. Se há três anos eu corria apenas para as primeiras prateleiras das livrarias, hoje o meu processo de escolha de um livro é mais minucioso. Quero saber a opinião de outras pessoas e sempre estou tentando alternar autores e temáticas, lendo obras escritas por mulheres, negros e estrangeiros de vários países, por exemplo".
"Esse desejo de, a princípio, apenas criar um espaço para compartilhamento de leituras, tem me rendido uma oportunidade única de me conhecer enquanto leitor e perceber que tem muita gente disposta a investir nessa área. O trabalho, assim, continua", complementa o influenciador.
Crescimento
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (PPGCOM-UFC), Andressa Souza aponta que o cenário de fomento à leitura proporcionado por redes sociais literárias surgiu há aproximadamente dez anos. Hoje, os números se multiplicam e uma diversidade de aplicativos no segmento pode ser encontrada na web.
Do ponto de vista da pesquisadora, o crescente avanço na área tem uma explicação: "Há um importante diferencial a se considerar no trabalho que esses perfis realizam porque é como se, a partir da interação que eles estabelecem o público, houvesse uma quebra da barreira entre o crítico literário e as pessoas que leem os livros, muitas vezes de forma descompromissada, o que otimiza o contato com a leitura", avalia. "Trata-se do estabelecimento de uma familiaridade, uma correspondência".
Andressa, que até o ano passado administrava com assiduidade o blog "Coadjuvando" - diminuindo o fluxo de postagens devido ao recente ingresso no mestrado - pesquisará, nos próximos dois anos, sobre como a atual geração digital forma comunidades virtuais de leitores, com ênfase nos canais do YouTube dedicados ao ramo.
Segundo ela, "o YouTube é a rede que tem mais influência sobre as pessoas, no caso dos canais literários, do mundo. No Brasil, por exemplo, há atualmente um forte movimento envolvendo grandes editoras com pequenos e médios criadores de conteúdo web. Muitos desses criadores, inclusive, conseguem obter renda por meio desses vídeos".
O ápice desse panorama, em suas palavras, são os livros publicados por booktubers, atestando não apenas a mudança do lugar de fala desses agentes como a amplitude que a atividade passou a ganhar. Entre os nomes que despontam no segmento estão o de Pam Gonçalves, autora dos livros "Boa noite" e "Uma história de verão", com quase 249 mil inscritos em seu canal; e Victor Almeida, do canal Geek Freak e autor do livro "Para cada infinito", com pouco mais de 93 mil inscritos.
Futuro
Apesar do preocupante cenário enfrentado pelo mercado editorial - com uma crise acentuada de escoamento de livros das prateleiras -, Andressa Souza avalia que, sob outro aspecto, há variáveis que indicam bons ares para o setor, levando em consideração, principalmente, a quantidade de pessoas que diariamente são influenciadas a começar uma leitura através das plataformas digitais.
"Qualitativamente, o índice de frequência de leitura ainda é alto e movimenta o mercado do livro. Porém, pelo fato de as mídias ainda serem muito novas, é difícil mensurar a amplitude delas no futuro, embora esse contato das editoras com os booktubers aponte boas saídas, apostando na aproximação entre autores e leitores", finaliza.
Diário do Nordeste

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