Pular para o conteúdo principal

Escritora cearense Natércia Campos completaria 80 anos neste domingo (30)

por João Soares Neto - Especial para o Caderno 3
Natércia Campos
Natércia Campos na ocasião de sua posse na Academia Cearense de Letras (ACL), em 2002
Permito-me escrever no presente, amiga Natércia. Como se você estivesse aqui - e quem ousa dizer: não está? - e auscultasse o coração de cada de um de nós. Você vive. Vive nos filhos concebidos, criados e já ramificados em outras vidas. Nos amigos cultivados, nos livros bem urdidos e festejados.
Nesse tempo todo de viver, se conhece muita gente. Algumas são especiais. É seleção natural, não adianta forçar. Nestes seus 80 anos, estamos juntos. O válido na amizade é o selo do entendimento sem mentira, trama, desonestidade ou interesse. É, acima de tudo, o enlevo de saber-se ligado, legitimado, sem ser usado.
Amigos despejam bálsamos na ebulição da nossa desventura. Funcionam como moderadores e podem até fazer ar de censura, sem dizer palavra. Você é isso. Não é amigo quem fuxica, intriga, ostenta, disputa, bajula e açula.
Ter amigos como você é uma bênção. São como escudos a nos proteger na noite das fogueiras da vida. Vão ao encontro das águas não convertidas em lágrimas. Têm conhecimento de nossas fraquezas e limitações, mas não tripudiam sobre elas. Ao contrário, transmitem a sua força.
Entre os poucos amigos escolhidos ou os da vida, com a sua mão imponderável nos dá, há sempre alguém, em determinado momento, a precisar de mais cuidado. Essa é a hora de estar junto, sem carecer ser alertado ou cobrado. Daí ser sempre bom não alardear o feito, o dito e o sentido. Achega-se e deixa-se envolver na energia da benquerença a transmitir sentimentos e atitudes.
O tempo sempre põe as coisas no lugar e a incerteza, própria condição de se estar vivo ou do morrer, não deve nos afligir, mas consolidar raízes e um legado de confiança mútua. Tem, pasmem, olhos de ver.
Outra mulher com olhos de ver, Florbela Espanca, das terras de Camões, onde você pisou com sutileza, disse: "Fui pela estrada a rir e a cantar, as contas do meu sonho desfiando... E noite e dia, à chuva e ao luar, fui sempre caminhando e perguntando...".
Essa é você, sem tirar, acrescentando a sua escritura. As mulheres de olhos de ver de verdade. Iluminuras. Abrem os olhos e vão em frente. Há argueiros e é preciso chorar para limpar a vida e a vista, mudando a cor da paisagem existencial.
Há tanta coisa a fazer e a dizer, queiramos ou não. É preciso serenidade e continuar lutando com as munições possíveis. E claro, seremos interrompidos. Interromper significa conviver com rupturas e deságues. Precisamos ir, desvendar o vir a ser. Importa não, estamos a caminho da porta do insondável e a maçaneta não tem tranca. Entraremos, a casa é de todos.
Apesar de nossas incertitudes, alicerçamos falésias imaginárias nos protegendo das ressacas das nossas almas. Cada um faz o seu caminho e tem o seu quinhão, conforme as contas do eterno na brevidade do existir. Diz o Eclesiastes, no seu prólogo. "Tudo é vaidade. Vaidade das vaidades". Sei mais nada não. Vivemos juntos essa amizade pouco ruidosa, intensa e plena como amigos, Há noite nas nossas almas. Parabéns.
João Soares Neto é escritor
Diário do Nordeste

Comentários