Pular para o conteúdo principal

Festival de Brasília consagra produção mineira pelo 3º ano consecutivo

por Diego Benevides - Crítico de cinema
Dez dias de cinema na Capital Federal mais parecem uma vida inteira. Isso porque o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro é a principal plataforma de projeção para obras audiovisuais independentes. Próximo a mais uma eleição - que pode mudar os rumos do País -, o festival foi marcado por abordagens políticas não apenas dos filmes programados, mas também dos realizadores que subiram ao palco do Cine Brasília para posicionarem os seus discursos a favor da democracia e da valorização da cultura.
A seleção de curtas e longas-metragens em competição demonstrou-se mais regular, se comparada a do ano passado. Os temas atravessaram questões sociais urgentes, em especial ao abrir cada vez mais espaço para produções que discutem história, etnias e identidade de gênero.
O principal vencedor do ano foi "Temporada", novo longa-metragem de André Novais Oliveira, que consagrou o cinema mineiro pelo terceiro ano consecutivo, após as vitórias de "A Cidade Onde Envelheço" (2016), de Marília Rocha, e "Arábia" (2017), de Affonso Uchoa e João Dumans.
Mesmo que a vitória de "Temporada" não tenha sido realmente uma surpresa, a competição de longas contava com outros candidatos também aptos a conquistar o Candango, por diferentes motivos. O júri oficial, encabeçado pelo crítico de cinema e pesquisador Ismail Xavier, priorizou a produção mineira que se utiliza da sutileza, bom humor e afetividade para contar sua história, em detrimento de filmes que escancaram suas propostas políticas.
Depois do elogiado "Ela Volta na Quinta" (2015), também exibido no Festival de Brasília, André Novais Oliveira leva para "Temporada" seu modo de produção simples e amoroso, ao retratar personagens da periferia de Minas Gerais enfrentando conflitos quase sempre banais, mas que muito têm a dizer. A atriz Grace Passô, também premiada no festival, interpreta Juliana, agente de saúde que trabalha nas ruas de Itaúna, interior mineiro. Ao entrar em cada casa, a protagonista estabelece relações com essas pessoas anônimas, enquanto tenta administrar sua própria vida.
André não se utiliza de grandes truques de linguagem, mas explora as possibilidades da imagem com propriedade. Suas histórias são sempre fluidas, mais subjetivas do que expositivas, ainda que os diálogos e o texto em si sejam fundamentais para construir essa inteligência narrativa.
"Temporada" é um drama do cotidiano, que não esconde a verdade dos personagens em diálogo com o mundo de hoje. Grace Passô é uma de tantas mulheres que querem trabalhar, ter uma vida digna e, acima de tudo, ser feliz. O cineasta filma a simplicidade do cotidiano, os amores e as dores de uma vida difícil, mas que encontra justamente nas relações humanas a força motora da resistência em tempos difíceis.
Representatividade
Último filme exibido em competição, o documentário "Bixa Travesty", dirigido por Cláudia Priscilla e Kiko Goifman, acumula elogios desde sua estreia internacional no Festival de Berlim, onde ganhou o Prêmio Teddy, concedido a filmes que abordam a temática LGBT. No centro da obra temos a irreverência de Linn da Quebrada e Jup do Bairro, artistas que representam o lugar da periferia e a luta contra o preconceito.
O mergulho na vida das personagens faz deste um longa essencial para entender o movimento efervescente de artistas que usam a performance para exigir direitos iguais. No decorrer do filme, Linn e Jup discutem como arte e gênero podem transformar a sociedade, ainda que esteja longe do ideal.
Transitando entre depoimentos inspirados e imagens de shows, que respaldam o discurso de Linn e Jup, o documentário não esconde a paixão que tem por elas. É preciso discutir identidade de gênero e, mais ainda, ouvir quem tem muito a falar.
Os cineastas conferem ritmo à obra por meio de dispositivos dinâmicos, sendo possível conhecer mais não apenas de Linn e Jup, mas das vitórias e dos desafios cotidianos.
A simulação de um programa de rádio dentro do documentário pode parecer deslocado no início, mas é um dos principais espaços de discussão sobre representatividade sexual.
Tanto que a obra foi reconhecida como o melhor longa do festival, de acordo com o júri popular, além de receber o troféu Candango de melhor trilha sonora e menção honrosa do júri oficial.
O júri oficial ainda premiou o ótimo drama de horror "A Sombra do Pai", de Gabriela Amaral Almeida, nas categorias de montagem, som e atriz coadjuvante (Luciana Paes). O baiano "Ilha", de Ary Rosa e Glenda Nicácio, garantiu os troféus de melhor roteiro e ator para Aldri Anunciação, enquanto Beatriz Seigner foi premiada pela direção de "Los Silencios" e pelo júri da crítica, organizado pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine).
O documentário "Torre das Donzelas", de Susanna Lira, que reúne ex-presas políticas da ditadura, faturou o prêmio especial do júri. Estranho, no entanto, foi a ausência de "Luna", de Cris Azzi, entre os premiados, o que não diminui sua relevância histórica para os movimentos feministas atuais.
*O crítico viajou a convite do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
Diário do Nordeste

Comentários