Pular para o conteúdo principal

Pesquisador cearense fala sobre a recuperação do acervo


O prédio do Museu Nacional do Rio de Janeiro está interditado desde o incêndio para a realização de perícia policial ( Fotos: Tânia Rego e Tomaz Silva/ Agência Brasil )
Duas semanas após o incêndio que acometeu cerca de 20 milhões de itens do bicentenário Museu Nacional do Rio de Janeiro, ainda não se pode dimensionar tudo que se perdeu, tampouco o que poderá ser recuperado. Com um inquérito policial instaurado, apenas a Polícia Federais e Bombeiros estão autorizados a entrar no prédio. Arqueólogos, técnicos e funcionários poderão adentrar no palácio imperial para procurar itens que tenham resistido à tragédia somente ao final da perícia.
A situação é preocupante, como aponta o pesquisador cearense Evandro Bonfim, vinculado ao setor de Linguística do Departamento de Antropologia Social do Museu Nacional do Rio de Janeiro desde 2012. "Está tendo uma restrição das informações. A assessoria tem pedido para pesquisadores não falarem nada, o que é injusto porque são eles que conhecem os arquivos", denuncia Evandro.
Na segunda-feira, logo após o incêndio, o cearense foi lá pra ver pessoalmente o estrago, na tentativa de chegar no setor de Linguística e ver se tinha sobrado algo. "Mas não, só estavam mesmo as estruturas, quartos, cômodos. Foi um choque saber que a despeito de tudo que aconteceu, a história do Brasil vai continuar sendo negligenciada, e agora histórias que a gente nem sabe mais como contar".
As gravações desde 1958, os cantos em muitas línguas sem falantes vivos, o arquivo Curt Nimuendaju - papéis, fotos, negativos, o mapa étnico-histórico-linguístico original com a localização de todas as etnias do Brasil, único registro datado de 1945; e referências etnológicas e arqueológicas das etnias do Brasil desde o século XVI fazem parte do material perdido.
"O que sobrou realmente foi que, pouco antes disso acontecer, cerca de 500 negativos do Curt Nimuendaju foram restaurados, ampliados e digitalizados. Alguns estavam amarelados, quebrados, e agora ia acontecer a segunda fase de restauração, mas precisaríamos de scanner e monitor apropriado, o que também foi perdido com o incêndio. Mas o banco de imagens a gente recuperou, foi a única coisa que restou", conta Evandro.
Levantamento
No momento, o pesquisador acredita que a esperança está nas pessoas que passaram pela instituição nos últimos anos, e que guardam livros, xerox etc. "Eu mesmo tenho um livro que era do setor. Tem uma pesquisadora que fez um trabalho sobre o Curt Nimuendaju e que teve acesso direto; talvez ela tenha aproveitado algo do microfilme", aponta Evandro.
Os indígenas também são aliados nesse levantamento. "O que estava acontecendo nos últimos anos era uma retomada dos povos indígenas que perderam a língua; eles estavam começando a consultar as fontes, o próprio museu. Alguns deles tiveram acesso no acervo ao que tinha sobre a língua. No Nordeste, os pataxós eram um grupo que estava trabalhando com lista de palavras", observa.
"Ainda estamos na fase de levantamento de quem conseguiu copiar e ter acesso aos documentos. Alguns foram digitalizados pela bibliotecária, mas ainda era muito pouco", completa. Além disso, os pesquisadores têm sofrido com a falta de espaço, já que os pouco restantes estão sendo aproveitados para as aulas da pós-graduação. "Precisamos de ambiente pra poder começar a receber as obras que serão doadas", diz.
Política
O pesquisador também chama atenção para uma política de conhecimento que ainda não foi pensada para o museu. "Na biblioteca central, que fica embaixo, tem a cópia da primeira gramática do José de Anchieta. Ela está lá, mas talvez eu não possa acessar. Como posso ter acesso? Divulgar que isso existe? É um problema de comunicação para a universidade e sociedade", denuncia.
Evandro é doutor (2012) e mestre (2004) em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ com trabalhos sobre Antropologia do Cristianismo, mas guarda todo seu material em casa.
"O museu pegou fogo, mas é inegável que ele é uma instituição muito hierárquica, burocrática. Mesmo a gente doando os dados, eles podem ficar restritos até para os próprios pesquisadores. Ainda falta acertar uma política", conclui. (RS)
Diário do Nordeste

Comentários