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Escritor Sebastião Nunes vence Prêmio Governo de Minas Gerais

O Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura divulgou os vencedores da edição de 2018, com destaque para o escritor, poeta e editor Sebastião Nunes na categoria conjunto da obra. O anúncio, feito nesta quarta-feira (5), coincidiu com a data do aniversário de 80 anos de Tião Nunes.
 
Túlio Santos/EM/D.APress
Nascido em Bocaiúva, começou a escrever ainda jovem e trabalhou como publicitário em paralelo à atividade literária e trabalhou como redator do Suplemento Literário de Minas Gerais. Atualmente vive em Sabará. 
 
Com mais de 20 livros publicados, praticamente todos eles de maneira independente e através de sua Editora Dubolso, Sebastião Nunes transitou pela prosa, poesia, literatura infantil, ensaio, crônicas, artes gráficas e construiu uma linguagem em que texto e imagem dialogam continuamente, em uma escrita marcada pela ironia, humor e fina crítica. 
 
“Esse tipo de prêmio é sempre importante pelo aspecto incentivador que tem. Estimula os jovens escritores que estão começando, além de reconhecer os escritores que, como eu, já têm 40 a 50 anos de estrada. Receber essa premiação ajuda bastante a minha pesquisa, e vai originar novas obras”, comemorou o autor de Antologia mamaluca, Última carta da América, Somos todos assassinos, A cidade de Deus e tantos outros. Sebastião Nunes vai receber um prêmio de R$ 120 mil. 
 
Para o secretário de Estado de Cultura, Angelo Oswaldo, “Sebastião Nunes é um dos mais importantes poetas da atualidade, sendo também artista gráfico, escritor e editor. De sua atuação em múltiplas vertentes resulta uma obra que se impõe no quadro nacional e é por isso merecidamente reconhecida”.
 
A mais importante premiação do estado contemplou ainda o gaúcho Emir Rossoni (categoria conto), por seu livro Domanda Nisio. A paulistana Ana Laura Duarte foi escolhida na categoria poesia com a obra Dança antiga para cavalos. Cada um recebe prêmio de R$ 25 mil. Na categoria jovem escritor mineiro, Jonathan Tavares Diniz, natural de Belo Horizonte, venceu com o projeto Antes de Vera, que aborda a transexualidade e as relações afetivas. O prêmio consiste em seis parcelas de R$ 7 mil, totalizando R$ 42 mil. 
 
Para Lucas Guimaraens, superintendente de Bibliotecas Públicas e do Suplemento Literário, é importante lembrar que o prêmio não se dedica somente a escritores consagrados, mas também impulsiona trajetórias de iniciantes na arte da escrita. “Além dos renomados, aqueles jovens com substrato suficiente para o desenvolvimento de obras literárias conseguem ver seus sonhos realizados a partir da categoria jovem escritor mineiro”, disse. A edição de 2018 bateu recorde de inscritos, com 445 originais recebidos. 
 
Em junho de 2017, o caderno Pensar, do Estado de Minas, fez um perfil de Sebastião Nunes, por ocasião do lançamento de seu livro de crônicas Começa a envelhecer a mulher mais bela do mundo. Confira alguns trechos da matéria de Pablo Pires Fernandes:
 
A ESCRITA
Aos 15 anos, passava férias em Bocaiuva e ainda jogava bola, pescava e tentava arrumar alguma namorada, mas não levava jeito, pois “era tímido como uma borboleta”, ele reconhece. Foi nesta época que decidiu ser escritor. Completou o científico e passou um ano na terra natal, “vagabundando e escrevendo”. Sua primeira aventura na escrita foi um romance à moda de Caetés, de Graciliano Ramos. Escreveu umas 30 páginas, que, mais tarde, foram parar no lixo. “Nesta altura não dava, né?”, diz, sobre a imaturidade. E, decidido, retornou à capital.
 
“Em Bocaiuva, você só podia ser padre, médico ou engenheiro, só, mais nada. Não tinha muito o que escolher. Escritor era uma vida aventurosa, era naquela época, hoje deixou de ser. Então passei a adolescência toda nessa rotina, lia dois três livros por semana, às vezes lia um livro por dia. Fiz vestibular para medicina, por causa de uma tia. Meu pai queria que eu fosse juiz, nem era advogado, era juiz já direto. Só que eu pegava um livro de biologia para ler e botava um livro de ficção lá no meio e ficava lendo a ficção. Quem disse que eu ia estudar? Levei quatro paus na medicina. Fazia na Universidade Federal e na Faculdade de Ciências Médicas, mas não tinha jeito de eu estudar física e química. Literatura, tudo bem, mas não adiantava porque física e química não tinha jeito. E hoje eu gosto muito, mas naquela época não tinha jeito.”
 
INFLUÊNCIAS
A compulsão do jovem do interior para a leitura foi lhe abrindo caminhos. A Belo Horizonte do início dos anos 1960 também tinha seu charme e a curiosidade se expandia para outras áreas. “Não foi só literatura. Eu adorava cinema, teatro, artes plásticas e fotografia também”, conta, fazendo a ressalva que música não era sua praia, embora fosse “excelente cantor de banheiro” e ouvisse música desde criança. Estudava línguas – latim, espanhol, inglês, algum francês –, pintava.
 
“Numa página de meu livro Finis operis fiz uma lista de influências que considero válida até hoje. Pela ordem em que aparecem lá: Augusto dos Anjos, Borges, Buñuel, Camus, Clarice Lispector, Décio Pignatari, Fernando Pessoa, Godard, Graciliano, Gregório de Matos, Joyce, Kafka, Millôr, Rimbaud, Van Gogh. Isso foi quando eu estava no meio do caminho da minha vida (mais ou menos 35 anos, conforme sugeriu Dante), de modo que não me atrevo hoje a mexer nela, embora pudesse acrescentar uma meia dúzia de outros.”
 
CONCURSO
Nesse início dos anos 1960, Tião fazia um pouco de tudo na agência e mantinha guardados os contos que escrevia. Trocou de patrão, mas seguiu na publicidade, criando anúncios, agora como redator. Ainda nesse emprego, inscreveu-se em um concurso de crônicas da Drogaria Araújo. “Eram uns 10 mil concorrentes”, conta o vencedor com certa satisfação. “Aí, fiquei importante, fui na televisão receber o prêmio, literatura ainda é uma coisa importante. E ganhei 10 mil alguma coisa, que deu pra comprar um rádio grande.” A vida era divertida. Com o que ganhava na agência, pagava a pensão na Rua São Paulo e torrava o resto em molecagem e nos botecos da Rua Tupis. A mãe percebia e, preocupada, lhe aconselhava: “Ou você estuda ou junta dinheiro”. Tião teve que refletir e concluiu: “Juntar dinheiro eu não vou. Então, em 1964, fiz vestibular para direito e passei”.
 
Eu tinha uns raros amigos de tomar uma no sábado, o resto do tempo eu ficava sozinho. Era difícil namorar – tinha uma namorada ou outra esporádica, mas era difícil. Eu ficava basicamente lendo e escrevendo. E, depois daquele concurso de crônica, eu fiquei mais animado. Achei que o conto era a coisa que eu tinha aptidão e comecei a escrever contos. Tinha minha maquininha lá: tác-tác-tác. Então eu tinha nove contos e pensei: aqui dá um livro. Mas, chegava no nono e achava que estava bom. Relia o primeiro e achava que estava ruim, reescrevia. Isso virou uma coisa sem fim. Mandei um cartum para a revista Senhor e um conto para o Estadão. Era março de 1964 e eles publicaram no mesmo mês. Só que eu já estava de saco cheio de conto. E, na Faculdade de Direito, apareceu um concurso de conto e poesia. E eu resolvi entrar no concurso. Nunca tinha escrito poesia na minha vida, nada, nem para as namoradinhas, mas eu lia poesia (não tanto quanto ficção, mas lia bastante). Então resolvi escrever um poema e fiz, que, na verdade, era uma colcha de retalhos, tinha João Cabral, Drummond, Mauro Mota. Mandei os dois e ganhei os dois, o conto e o poema. Foi 1966. E me deixou bestificado. Não só eu, mas o pessoal todo da Faculdade de Direito.
 
A CONVERGÊNCIA
Depois de bater cabeça com ficção e os contos que não parava de reescrever, Tião se aventurava pela pintura e foi realizar uma exposição na Livraria do Estudante, onde trabalhava. Afinal, era uma maneira de sair da penúria e parar de filar cerveja e cigarros dos amigos. Misturava cola de borracha, tinta, guache, lápis, caneta e criava colagens com recortes de fotografias. Tudo isso servia de composição para os quadro-cartazes com poesias impressas na parte inferior. “Vendi todos os quadros, era muito barato. O problema era que os quadros que o pessoal levou para casa derreteram todos no calor, a pintura não se sustentou e caiu por cima do poema.” Também foi nesta época que Humberto Werneck lhe advertiu que as tais colchas de retalho que escrevia eram demasiadamente parecidas com a poesia de João Cabral de Melo Neto. “Levei um choque, porque nunca tinha notado. E fui reler e era João Cabral puro, ele poderia ter assinado. Era um pastiche do João Cabral. Aí, comecei a policiar mais o que escrevia e tentar um caminho meu.” A experiência adquirida com a publicidade, quando teve contato com diversas técnicas, lhe serviu para achar seu rumo poético. Tião germinava seu estilo até que tudo convergiu.
 
“Na verdade, mudei para a poesia numa noite, em 1967 ou 1968. Um dos colegas de república tinha levado uma mulher para lá e comprado uma garrafa de uísque, daqueles bem vagabundos, e deixou mais da metade da garrafa lá. E eu estava sozinho de noite, deitei na sala e resolvi montar um poema. Era texto, montado com letra 7, ilustração, fotografia, recortes de imagens fotográficas e rabiscos de desenhos meus em cima. Foi o meu primeiro poema que deu certo. Nem sei qual poema era esse, se foi publicado nem onde ele está. Quando acordei, porque dormi no chão, ao lado do poema, acordei bêbado feito uma vaca e disse: meu caminho é esse aqui, é isso que vou fazer. Estava lá. Era uma mistura de texto, desenho, e fotografia, coisa que fui fazer o resto da vida.”

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