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Bullycídio e as previsões no ordenamento jurídico

Ofensas e humilhações causam danos de natureza moral e ainda podem resultar no trágico fim da vítima.
A faixa etária mais afetada pelo bullying é justamente aquela que passa por transformações e ainda está fase de formação, a das crianças e adolescentes.
A faixa etária mais afetada pelo bullying é justamente aquela que passa por transformações e ainda está fase de formação, a das crianças e adolescentes. (Pixabay)

Por Renato Campos Andrade*
Tema bastante sensível e que volta e meia insere o Direito Penal nas manchetes policiais é o bullycídio. Trata-se do termo utilizado para a prática do suicídio cometido por quem sofreu o bullying. Significa dizer que as ofensas e humilhações não só causaram danos de natureza moral como resultaram no trágico fim da vítima.
A internet criou diversas oportunidades e facilidades, mas possui também um lado extremamente negativo. A velocidade de propagação e abrangência de divulgação são capazes de elevar pessoas e empresas ao sucesso, mas também de agravar exponencialmente a prática do bullying. É o chamado cyberbullying.
Seja por meio da internet ou de forma presencial, o bullying é uma realidade. A faixa etária mais afetada é justamente aquela que passa por transformações e ainda está fase de formação, a das crianças e adolescentes. No artigo Cyberbullying: sofrimento causado através da tela, a advogada; especialista em Direito Processual; presidente da Comissão de Assuntos Carcerários e da Comissão de Igualdade Racial da OAB 82° Subseção de Betim/MG; membro das Comissões Estaduais de Assuntos Carcerários, OAB vai a Escola, OAB Jovem e Promoção da Igualdade Racial da OAB Seccional/MG, Elisângela Márcia dos Santos, afirma que o tema chegou a ser cotado como tema de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), justamente por sua relevância e gravíssimas consequências.
Ela explica que a definição de bullying foi dada pela Lei 13.185/2015: “é um comportamento agressivo intencional e repetitivo, sem motivação, que cause angústia à vítima. No parágrafo único do artigo 2º da referida lei se apresenta o cyberbullying - uma intimidação sistemática (bullying) na rede mundial de computadores - usado para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial”.
Conforme ela, o ambiente virtual tem potencial de agravar profundamente a prática, visto que o bullying presencial normalmente é feito na escola, no recreio, com ataques e ameaças pelos colegas e, diante desse pequeno grupo, se espalha com menos velocidade. Já o cyberbullying tem as redes sociais como meio de difusão, com velocidade e alcances enormes. Como se trata de prática em ambiente de pouca vigília e de difícil verificação, as pessoas se escondem no anonimato e praticam covardes ataques.
Para a verificação do delito é preciso que as vítimas denunciem. Assim, as autoridades rastrearão as mensagens, poderão quebrar o IP (Internet Protocol) do computador do acusado, descobrir o verdadeiro autor, suspender o site, bem como outras medidas que se façam necessárias. Além da punição, é preciso um trabalho de forte conscientização de toda a população sobre a gravidade deste problema. Até porque, muitos agressores são menores de idade e os pais devem zelar por eles.
A advogada, pós-graduanda em Direito Público e graduada em Direito pela Dom Helder Escola de Direito, Jéssica Carolina Celestino Ferreira, no artigo A responsabilidade do menor que contribui para o bullycídio observa que a impossibilidade de punição penal dos menores está na Constituição e que eventuais sanções são reguladas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ela lembra que os menores de 12 anos não sofrerão qualquer responsabilização, mas serão encaminhados ao Conselho Tutelar.
Já os maiores de 12 anos e menores de 18 respondem de maneira especial pelo crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. “O induzimento compreende a instauração de determinada ideia na mente de outra pessoa, a qual não pensava nisso antes. A instigação, por sua vez, abrange o reforço de uma ideia que já estava na mente do terceiro. Por fim, o auxílio diz respeito à ajuda material, que pode ser, por exemplo, o empréstimo de uma arma de fogo. Sendo assim, uma possível responsabilidade do menor em caso de bullycídio vai depender se a conduta dele foi de induzir, instigar ou auxiliar materialmente a vítima que cometeu suicídio”.
De acordo com ela, se o suicídio de fato ocorrer, o adolescente responderá por ato infracional análogo ao crime do artigo 122 do Código Penal Brasileiro consumado. “Se o resultado não for a morte, o agressor responderá pelo mesmo ato, na forma tentada, caso haja lesão corporal grave (se a lesão corporal for leve, não haverá responsabilização)”. Porém, trata-se de crime de difícil averiguação e constatação do nexo entre a conduta do adolescente e da vítima.
Os pais não só devem educar, como são responsáveis por seus filhos. Em seu artigo Bullycídio e a responsabilidade dos pais, o bacharel em Direito pela Dom Helder Escola de Direito, pós-graduado em Direito Constitucional, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal e pós-graduando em docência com ênfase no ensino, Ottoniel Antunes Camargos, frisa que “a punição para aqueles que praticaram o bullying não chegará aos pais em virtude do princípio da pessoalidade, previsto no artigo 5º, inciso XLV, da Constituição”. Entretanto, no caso dos pais de um adolescente que tenha efetuado disparos com a arma deles “podem ser acusados pelo crime de omissão de cautela, previsto no artigo 13 da Lei 10.826, de 2006, mais conhecido como Estatuto do Desarmamento”.
Segundo ele, os pais dos adolescentes que praticaram bullying também podem ser responsabilizados civilmente. “Está previsto no artigo 932, inciso I, da Lei 10.406, de 2002, o Código Civil, a possibilidade de responsabilização civil dos pais pelos filhos menores que estiverem sob a sua autoridade ou em sua companhia, mesmo sem culpa, como citado no artigo 933 do mesmo diploma legal”.
Seja pelo dever de educar e dar afeto ou pela possibilidade de responsabilização criminal ou civil, os pais devem estar próximos aos seus filhos para evitar que sejam agressores ou vítimas. O tema é sensível, mas merece reflexão e debate para se evitar que mais pessoas façam parte das terríveis estatísticas das vítimas de bullying com danos graves e que chegam ao triste fim de cometer suicídio.

Sugestão de pauta
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