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Seja no pódio ou no júri, Ceará é destaque no Prêmio Sesc de Literatura 2019

Por Diego Barbosa, 

Natural de Canindé, Felipe Holloway venceu na categoria Romance, ao passo que Tércia Montenegro e Ana Miranda integraram a comissão avaliadora


Ao divulgar recentemente os vencedores da 16ª edição, o Prêmio Sesc de Literatura evidencia algo importante: a presença de cearenses na comenda, seja no pódio ou no júri. Não à toa, um dos ganhadores é filho de nosso chão. Felipe Holloway nasceu no município de Canindé, apesar de desde criança residir em Cuiabá (MT).
Professor de Língua Portuguesa, formado em Letras pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e mestrando em Estudos Literários pela mesma instituição, ele ganhou o concurso com a obra “O legado de nossa miséria”, na categoria Romance. Na seara do Conto, o mineiro João Gabriel Paulsen foi quem levou a melhor, com “O doce e o amargo”. O projeto, neste ano, teve 1969 obras inscritas, um recorde, e deve realizar a cerimônia de premiação em novembro.
Em entrevista ao Verso, Felipe comenta que a vitória representa uma“virada incomparável” na vida. “Isso porque, embora depois tenha se convertido numa paixão, minha formação como professor só se iniciou porque o desejo de ser escritor precisou ser colocado em pausa, dadas as dificuldades iniciais”, explica, evidenciando, entre os entraves, os desafios intrínsecos à realidade do mercado editorial e ao próprio domínio técnico da escrita.
“A partir dessa conquista, a possibilidade de transformar o que antes se qualificava como ‘hobby’ em profissão começa a parecer menos inverossímil, para mim”.
Apesar de afirmar não acompanhar a produção literária contemporânea do Ceará, o escritor tem certeza de que se trata de um cenário bastante prolífico. E confessa: “Não diria que sou um ‘autor cearense’, se por esse epíteto se quiser rastrear, em minha escrita, alguma temática ou estilo comum à produção literária, contemporânea ou pretérita, de meu estado natal – caso exista alguma relação dessa natureza, ela é absolutamente acidental. Aliás, creio que, neste sentido, os termos ‘cuiabano’ e ‘cearense’ têm viés mais biográfico do que literário”.
Alcance
Tais questões se refletem em “O legado de nossa miséria”. Bem distante de regionalismos, a trama acompanha a história de um crítico de literatura e professor universitário que é convidado para um evento sobre Jornalismo Literário numa fictícia cidade do interior de Minas Gerais. Lá, ele conhece um famoso escritor cuja obra sempre admirou. No evento, os personagens rememoram suas respectivas carreiras, nas quais os fracassos éticos e estéticos se alternam. 
Tércia Montenegro, uma das integrantes da comissão avaliadora do prêmio, evidencia a qualidade do material ao traçar os caminhos que culminaram na escolha. “Levamos em conta critérios de qualidade estilística, originalidade de temas e potência criativa do texto, e realmente não houve dúvidas em relação ao primeiro lugar”, dimensiona.
Tércia Montenegro (foto) e Ana Miranda foram as cearenses integrantes do júriFoto: Divulgação
A autora, vale mencionar, foi apenas uma das cearenses a compor o júri. Com ela, outro nome incontornável de nossas letras, Ana Miranda, esteve junto no processo – ambas unidas a Verônica Stigger e Júlian Fúks – , o que reitera a força do que produzimos aqui.
“Sou da opinião de que estamos nos expandindo culturalmente cada vez mais, e não somente na literatura. A questão nunca foi o valor do que fazemos artisticamente, e sim a logística de distribuição para outros eixos, nacionais e internacionais”, avalia.
E completa: “O problema, então, sempre esteve num trânsito comercial, digamos. Mas há hoje muitas formas de driblar os entraves geográficos e chegar um público mais distante: a tecnologia auxilia nesse processo e, claro, prêmios como o Sesc de Literatura conferem visibilidade nacional às obras”.
Analista de cultura do Departamento Nacional do Sesc, Henrique Rodrigues estende a fala de Tércia ao declarar:
“O escritor que nunca teve espaço, especialmente fora dos grandes centros urbanos, sempre se vê diante de um muro quase intransponível. E o Prêmio Sesc quebra esse muro”.
Para ele, não apenas o Ceará, como os diferentes Nordestes, são um rico celeiro artístico, o que sublinha reflexão importante.
“O Brasil precisa conhecer mais o próprio país, necessitamos intranacionalizar o olhar para as nossas manifestações culturais. E a descoberta de um escritor como Felipe Holloway pode contribuir muito nesse processo”,  acredita. “Por fim, publicar os vencedores numa editora como a Record chancela esse canal de valorizar a nossa pluralidade literária”.

Diário do Nordeste

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