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Livro reúne pela primeira vez a poesia de cores e formas das telas de Patrícia Leite

Artista cria obras que dialogam com a temporalidade e transitam entre o abstrato e o figurativo, entre a tradição popular e erudita em linguagem própria.
'Caymmi', obra de 2004, faz homenagem ao compositor baiano
'Caymmi', obra de 2004, faz homenagem ao compositor baiano
Por Pablo Pires Fernandes

Repórter Dom Total

Tempo é relativo. No caso de Patrícia Leite, é inevitável o tempo de dedicação no confronto com as telas. São muitas horas, muitos anos “num longo tempo de solidão e pesquisa”. “O trabalho precisa de todo o tempo do mundo”, diz, pontuando que, nesses “tempos loucos de internet, a concentração é um exercício zen para me despregar do lado de fora”. 
Para a artista, esse processo “é a maneira de conseguir lidar com a vida, não tem outro jeito: trabalhar todos os dias é uma obsessão”. Com 40 anos de ofício, a pintora belo-horizontina garante que a pesquisa é interminável e, portanto, “quanto mais tempo, melhor”. “O tempo de ateliê é uma vida inteira. Correr o risco e descobrir coisas me faz sentir viva como artista.”
Diante de uma pintura de Patrícia Leite, a temporalidade se desvela em repetidas camadas de tinta, materializando-se em formas e cores a dimensão de um espaço-luz singular. Ela revela que “as camadas são uma procura pela luz”. A pesquisa, de longa data, sobre luzes, contrastes e tons funcionam como se operasse um dimer. “Observando a natureza in loco, percebo muitas coisas e fico pensando como vou dar esta sensação da luz pictoricamente”, explica.
Uma amostra dos últimos 15 anos da produção de Patrícia Leite foi reunida no livro Olha pro céu, meu amor, editado pelo crítico e curador Rodrigo Moura. A publicação da Editora Cobogó será lançada em Belo Horizonte neste sábado (6), às 11h, na Livraria da Rua. Moura concorda que há uma tensão temporal no trabalho da artista. “São horas, não são minutos – essa assertiva já aponta uma contradição”, diz. O crítico apohnta que este aspecto “exige uma dedicação à fruição, que é contraditória com o aspecto mais gráfico e direto da pintura, rapidamente apreensível”. E destaca que “essa tensão desorienta e fascina”.
Nas telas da artista, as cores registram as marcas do tempo, mas também são elementos essenciais de sua expressão. Apaixonada pela pintura, Patrícia diz que descobre novas cores e novas possibilidades a cada trabalho. “São as massas de cor que constroem a pintura. Se você resolve trocar uma corzinha que seja, tudo muda.”
Moura nota que o trabalho da artista “está ancorado num diálogo entre as fontes chamadas populares e eruditas, algo que define em larga medida a experiência brasileira nas artes ao longo do século 20, entrando para o século 21”. Ele cita Tarsila do Amaral, Djanira, Volpi e Guignard como precedentes de pintoras e pintores significativos na obra da artista. Em seu texto, o crítico acrescenta ainda Lorenzato, Paul Klee e Miró como outras possibilidades desse diálogo com a obra de Patrícia, situando-a numa expressão particular da chamada “geometria sensível”.
Graduada pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi aluna de Amilcar de Castro, referência para uma geração de artistas mineiros e essencial para despertar questões ligadas à materialidade e ao gestual. Nos anos 1980, quando começou sua produção, a abstração neo-concreta ainda continha certa novidade. “Era o que me interessava. E por aí fiquei até descobrir que estava patinando no mesmo lugar”, conta.
Em sua busca, a artista voltou-se ao campo da paisagem e à tradição clássica na história da arte. Encontrou seu próprio olhar entre a abstração e o figurativo. Para ela, foi “uma soma e uma conquista: liberdade”. “Ao somar a figuração e as paisagens, o olhar abstrato me trouxe um traço que resume o que vejo, me dá liberdade de interpretar pictoricamente o que vejo, de muitas vezes sacrificar a ‘lógica’ quando acho que vai ficar melhor.” Neste movimento criativo, Patrícia Leite criou sua própria linguagem, hoje reconhecida pelas muitas exposições no Brasil e no exterior.
Rodrigo Moura destaca a presença de um componente fortemente gráfico, “de apreensão muito imediata, logo associada à abstração”. Como exemplo, cita que, nas telas da artista, “uma lua pode ser círculo, uma montanha, um triângulo e assim por diante”. “Essa pintura remonta a uma consciência do olhar, uma pedagogia do olhar; não fortuitamente a artista é aluna de artistas e ela também, professora.”
Nos quadros de Patrícia, muitas deles em grande formato, há inúmeras outras referências. Entre o circo, a natureza morta, a vista da janela, a praia, as imagens da tela de cinema – lindamente registrado na explosiva série Zabriskie point, referência ao clássico de Michelangelo Antonioni –, a pintora traz ainda a música.
Muitos quadros parecem emitir sons, ritmos de cores e variações de tons. Presente em citações explícitas de Tom Jobim e Dorival Caymmi, suas exposições fazem referências a canções – Saudade do BrasilOlha pro céu meu amorChovendo na roseiraPassarim. “Uso as trilhas originais para fazer a pintura, como foi com Zabriskie point. Sempre ouço Caymmi quando pinto o mar: ‘O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito’”.
A artista confessa que, às vezes, se imagina como musicista frustrada, pois a música a acompanha desde sempre. “Meu pai me ensinou a afinar um violão quando eu era muito nova. E uso esta palavra afinar na pintura, tipo ‘preciso ainda afinar estas cores’. O som no ateliê é tão importante quanto a luz, os pincéis, as tintas. Me ajuda a despregar do mundo, a me concentrar.”

PATRÍCIA LEITE: OLHA PRO CÉU, MEU AMOR
Organização e edição de Rodrigo Moura
Editora Cobogó
200 páginas
R$ 110

LANÇAMENTO:
Sábado (6), das 11h às 14h.
Na Livraria da Rua
Rua Antônio de Albuquerque, 913, Savassi, Belo Horizonte

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